O sistema educacional sul-coreano prejudica os estudantes
[N. do revisor/administrador: nem todas as opiniões contidas aqui refletem as opiniões dos membros que compõe o site, tais como a proibição de aulas noturnas e outras regulamentações estatais. Entretanto, o artigo merece ser publicado por sua ótima crítica a escolarização como ponto máximo da vida de uma criança e único meio de se obter educação. Esperamos que você o aproveite.]
Depois que meu irmão mais velho ficou doente devido ao estresse por ser um estudante na Coreia do Sul, minha mãe decidiu me mandar de Seul para Vancouver no ensino médio para me poupar da intensa pressão por sucesso. Ela não queria que eu sofresse como meu irmão, que teve uma dor torácica que os médicos não puderam diagnosticar e uma alergia tão severa que ele teve de tomar injeções em casa.
Tive sorte de ter uma mãe que reconheceu o problema e teve os meios para me mandar ao exterior. Os pais da maioria das crianças sul coreanas são a fonte principal de uma pressão implacável imposta nos estudantes.
Trinta anos depois, em 2008, eu ensinei gramática inglesa avançada a crianças de 11 anos em cursinhos em um bairro rico de Seul chamado Gangnam. Os estudantes levavam os estudos muito a sério mas seus olhos pareciam mortos.
Quando eu perguntei a uma turma se eles estavam felizes neste ambiente, uma garota hesitantemente levantou sua mão para me dizer que ela só seria feliz se sua mãe também fosse, pois tudo que a mãe sabia fazer era importuná-la a respeito de sua performance acadêmica.
O mundo pode até olhar para a Coreia do Sul como um modelo de educação – seus estudantes alcançam os melhores resultados em testes educacionais internacionais – mas o lado negro do sistema lança uma sombra enorme. Dominados por Mães Tigresas, cursinhos e professores altamente autoritários, a educação sul coreana produz estudantes excepcionais que pagam um preço alto em saúde e felicidade. O programa inteiro corresponde a abuso infantil. Deveria ser reformado e reestruturado o mais rápido possível.
Ainda assim, o sistema sul-coreano tem seus pontos fortes. A ideia de que o sucesso é o mais importante, não importa o custo, é um grande motivador. Meu boletim, após o primeiro exame no ensino médio, estava em 21º lugar em uma classe de 60 alunos. Minha mãe, ciente sobre os horrores extremos da educação sul coreana, porém, ainda assim preocupada com minhas notas, imediatamente encontrou um tutor particular para matemática, o que me ajudou a alcançar um respeitável 3º lugar na hierarquia da classe.
Mas isto foi no começo dos anos 1990. Desde então, esta cultura de competição apenas se alastrou.
Cursinhos nos quais eu ensinei – conhecidos como hagwons em coreano – são um esteio do sistema de educação coreano e um símbolo do anseio parental em ver seus filhos terem sucesso a qualquer custo. Hagwons são instalações sem alma, com sala após sala, divididas por paredes finas, iluminadas por longas lâmpadas fluorescentes, e recheadas de estudantes memorizando vocabulário de inglês, regras de gramática coreana e fórmulas matemáticas. Os estudantes permanecem tipicamente após o horário das aulas regulares até as 10 horas da noite ou mais.
Arrebanhados a vários escoadouros e programas educacionais por seus pais, o estudante médio sul-coreano trabalha até 13 horas por dia, enquanto o estudante médio de ensino médio dorme no máximo 5 horas e meia por noite para assegurar que há tempo suficiente para os estudos. Hagwons consomem mais da metade dos gastos em educação particular.
Este “investimento” em educação é o que tem sido usado para explicar a pontuação espetacular dos sul-coreanos no PISA, cada vez mais usado como padrão pelo qual estudantes do mundo todo são comparados uns aos outros.
Contudo, um sistema dirigido por pais excessivamente zelosos e uma indústria privada que é um verdadeiro leviatã é insustentável no longo prazo, especialmente considerando os custos físicos e psicológicos que os estudantes são forçados a suportar.
Muitos jovens sul-coreanos sofrem sintomas físicos de estresse acadêmico, como sofreu meu irmão. Em um caso típico, uma amiga relatou ter perdido tufos de cabelo enquanto se focava nos estudos durante o ensino médio; seu cabelo cresceu de novo só depois que ela entrou na faculdade.
Estudantes também são inclinados a ver a performance acadêmica como sua única fonte de validação e autoestima. Entre os jovens estudantes sul-coreanos que confessaram se sentirem suicidas em 2010, alarmantes 53% identificaram uma performance acadêmica inadequada como a razão principal para tais pensamentos.
Não é de se surpreender que a posição sul coreana na hierarquia educacional internacional é virada ao avesso quando se refere à felicidade dos jovens, com apenas 60% dos estudantes confessando estarem contentes na escola, comparado com uma média de 80%, em 2012, entre as nações mais ricas do mundo.
Há uma explicação histórica para o fervor educacional sul-coreano. Durante a Dinastia Choson (1392-1910), ter um filho que passasse no exame para o serviço civil administrado pela corte real era visto como um conduto para o sucesso social e material de toda a família. Como notou posteriormente o professor Edward Wagner em Harvard, mesmo após isso, uma forma de educação privada persistiu, com candidatos levando anos de lições para se prepararem para o exame e com famílias mais ricas ostentando com tutores especiais.
O foco especial na unidade familiar na cultura coreana é também um fator maior. Muitos pais acreditam que seu direito de decidir o futuro dos filhos é sacrossanto. E a visão de que a família é uma unidade econômica perpetua tal controle rígido sobre as crianças. Casamento, por exemplo, ainda funciona frequentemente como uma transação financeira entre duas famílias. Ser uma criança sul coreana, em última análise, não é sobre liberdade, escolha pessoal ou felicidade; é sobre produção, performance e obediência.
Obediência à autoridade é reforçada tanto em casa quanto na escola. Eu me lembro de uma vez que discordei de meu professor no ensino médio ao escrever-lhe uma carta sobre uma de suas regras. Isto me levou à sala dos professores, onde fui repreendido por uma hora e meia, não a respeito da substância de minhas palavras em si, mas sobre o fato de que eu expressei minha visão. Ele tinha uma aula para dar, mas não se incomodou em largar nosso encontro porque estava tão enraivecido pelo fato de alguém ter questionado sua autoridade. Neste momento eu soube que tentar ser racional ou sincero na escola não fazia sentido.
Apesar de décadas de abusos categóricos e a tranqueira deste sistema perturbador, emergem sinais de que algumas pessoas estão começando a levar a sério as reformas. No caminho do reconhecimento do legado deste modelo ditatorial, sul-coreanos tem adotado a noção de “cura”, com o entendimento de que a repressão política passada e a contínua pressão social têm gerado males psicológicos que requerem reparação. Esta tendência tem levado a discussões sobre os efeitos perniciosos que o sistema educacional tem nos estudantes e sobre o que deveria ser feito.
Outro sinal de que as coisas podem se mover em uma direção positiva é a eleição em junho de superintendentes de educação, muitos dos quais são progressistas, ao redor do país, estimulado pelo crescente desejo público por reformas.
Mas para alcançar qualquer mudança significativa na educação, uma cultura que trata suas crianças como uma mera mercadoria a ser usada em serviço da família ou da economia nacional deve ser radicalmente alterada. O governo deve suspender sua busca inflexível de uma maior taxa de nascimentos face a uma população que encolhe e parar de ver as crianças como meras engrenagens na economia do país, sem nenhum direito à felicidade pessoal.
A Coreia do Sul também deve encorajar seus cidadãos a verem o casamento não como uma união em prol do dever e que deve trazer benefícios econômicos tangíveis, mas como uma escolha de vida que pode trazer contentamento e bem estar. Somente então as crianças poderão ser vistas como indivíduos com livre arbítrio, ao invés de meros produtores de riqueza e status sujeitas a uma educação onerosa.
Uma indústria de educação privada frenética deve ser melhor regulada para colocar o bem estar das crianças em primeiro lugar. Apesar de sucessivos presidentes terem tentado tomar as rédeas dos cursinhos, incluindo um mandato de fechamento às 10 horas da noite, os donos de muitos hagwons burlam as regulações ao operar em edifícios residenciais ou bloqueando as janelas para que a luz não possa ser vista de fora. E alguns pais contratam tutores particulares para fugir da restrição.
A luta contra estes abusos seria muito mais efetiva se a legislação criminalizasse educação privada excessiva. Caso contrário, os pais sul-coreanos podem nunca reconhecer que o sistema atual é um ataque direto ao bem estar de seus próprios filhos. Mas acima de tudo, a convicção de que o sucesso acadêmico é um absoluto na vida necessita ser deixada de lado completamente. A Coreia do Sul pode ter se tornado uma superpotência econômica invejável, mas tem negligenciado o bem estar de seus cidadãos.
Denunciando o estado de existência dos jovens na Coreia, Yi Kwang-su, um dos primeiros intelectuais reformistas, escreveu um ensaio intitulado “On Child-Centrism” (em tradução livre, “No Centrismo Infantil”), onde diz que “Enquanto os pais vivem, as crianças não têm nenhuma liberdade e são tratadas como escravas ou gado, não muito diferente dos súditos de um senhor feudal”. Antes que a Coreia do Sul possa ser vista como um modelo para o século XXI, ela deve abandonar este sistema datado da era feudal, que se passa por educação e reflete no que os cidadãos mais vulneráveis do país querem para si mesmos.
// Traduzido por Rafael Andreazza Daros. Revisado por Russ da Silva| Artigo original.