Ruanda: Como o livre mercado é bom para os africanos
Muitas sociedades mudaram de curso e tiveram sucesso após passar por um círculo vicioso de conflitos e de violência. Ruanda é um exemplo. Desde o genocídio brutal de 1994, quando cerca de 20% da população foi morta, a situação política e social estabilizou-se, tornando possível, junto com reformas de livre mercado, uma expansão econômica sustentável em um ambiente relativamente pacífico.
Ruanda é um país pequeno sem ligação com o mar na África Centro-Oriental com uma população de cerca de 11 milhões de habitantes. Seus dois maiores grupos étnicos – a minoria Tutsi e a maioria Hutu – vem guerreando uns com os outros desde antes dos belgas tomarem o controle do país depois da I Guerra Mundial (o país tornou-se independente da Bélgica em 1962). As constantes tensões sociais e étnicas terminaram em um genocídio que custou a vida de cerca de 800.000 pessoas – a maioria Tutsi.
Como consequência, a economia contraiu bruscamente – em cerca de 50% – naquele ano, mas a recuperação foi bem rápida e sólida, com o PIB crescendo 35% em 1995. O país administra esse alto crescimento sustentável desde então, nem mesmo perdendo força na última década. A economia cresceu em média de 6,6% ao ano de 1994 a 2010, substancialmente maior que a média da África sub-Saariana. Em 2001, os habitantes de Ruanda viveram com uma média de 50 centavos de dólar por dia; hoje esse quadro cresceu para $1,50 dólar por dia. Os indicadores recentes de pobreza e assistência social – dados pelo Third Household Living Conditions Survey – também são animadores. Nos últimos cinco anos a pobreza tem sido drasticamente reduzida, de quase 57% para 45% da população. Em contraste, a queda foi de somente 2% nos últimos cinco anos. Ainda disso, a pobreza extrema registra uma queda sem precedentes, de 37% para 24%. Outras melhorias também têm ocorrido além dos dados de pobreza, incluindo mortalidade materna e infantil.
De acordo com o economista britânico Paul Collier, os resultados das pesquisas são “realmente impressionantes”. Collier também reconhece que a Ruanda tem sido capaz de alcançar três objetivos básicos: rápido crescimento, redução acentuada da pobreza e redução da desigualdade.
Felizmente, a Ruanda não é uma exceção na África. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o PIB da África subsaariana crescerá 5,4% e 5,3% em 2012 e 2013, respectivamente. Em contraste, economias avançadas provavelmente crescerão a taxas maiores de 2% nos próximos anos.
Além disso, a pobreza no continente como um todo está diminuindo mais rapidamente do que normalmente se acredita, como os economistas Maxim Pinkovskiy e Xavier Sala Martín concluíram em um artigo de 2010, “African Poverty is Falling… Much Faster than You Think”. A última atualização das estimativas de pobreza do Banco Mundial indicou que entre 2005 e 2008 o número absoluto de pobres na região Subsaarianas tem caído pela primeira vez na história recente, apesar do notável crescimento populacional da região.
O crescimento econômico da Ruanda tem sido impulsionado principalmente pela liberalização do setor agrícola – principalmente do café e do chá, as principais exportações do país. Essas reformas permitiram que os produtores se beneficiassem bastante de um boom nas exportações, aumentando a renda e a produtividade por meio de investimentos de capital. Os dinâmicos setores do turismo e da indústria – mineração e construção – também contribuem para o recente sucesso econômico.
Entretanto, a economia do país ainda é vulnerável e instável. Para crescer de forma mais rápida, Ruanda precisaria direcionar-se à produção de bens com maior valor agregado, já que os aumentos potenciais de produtividade e exportação nos setores tradicionais são limitados.
O empreendedorismo, geralmente o principal motor de crescimento econômico, e a inovação deveriam liderar essa transição. No caso de Ruanda tem ocorrido um notável dinamismo nos empreendimentos domésticos, que são voltados para atividades não-agrícolas e geralmente localizados em áreas rurais. Mesmo que empreguem somente 10% da força de trabalho, mais de 30% das famílias dependiam desses empreendimentos para sua renda em 2006.
Apesar de serem atividades de baixa produtividade (tais como salão de cabeleireiro ou a fabricação de produtos simples), esses empreendimentos desempenham um papel social importante dado o alto grau de analfabetismo e pobreza do país. Além disso, os salários nesses empreendimentos domésticos são maiores que aqueles oferecidos na agricultura, o que explica por que eles estão atraindo trabalhadores do setor primário. Neste sentido, o desenvolvimento do mercado financeiro e do sistema bancário é importante já que essas iniciativas precisam de acesso a empréstimos.
Por outro lado, a integração do comércio regional tem facilitado uma mudança no perfil das importações, substituindo a Europa pelos países vizinhos, que se beneficiam dos preços baixos e do aumento da exportação. Tudo isso apesar das estradas pobres e bloqueadas da Ruanda e do sistema inexistente de rodovias resultando em custos altos de transporte. Mas há melhorias: enquanto em 2006, 11% das estradas eram considerados em boas condições, esse quadro aumentou para 52% em 2009.
O relativo dinamismo dos negócios do país não teria sido possível sem uma melhora na estrutura regulatória e institucional. No último relatório Doing Business (2012), Ruanda era a 45ª em regulação dos negócios; apenas quatro anos atrás estava em 148ª. O país também está em terceiro entre as nações africanas no índice de liberdade econômica do Heritage Foundation/Wall Street Journal Index of Economic Freedom. Enquanto sua média geral era menos de 40 em 1997, esse ano é de 64,9, com uma melhora notável na liberdade de comércio e negócios (quanto mais próximo de 100, maior a liberdade econômica). Não é de se impressionar que Ruanda seja considerado o país com a maior evolução no ambiente de negócios. A razão é sua liberalização generalizada, com as principais áreas com mudança sendo o registro de propriedade, a proteção aos investidores, a abertura de negócios entre países africanos e o acesso ao crédito.
O Setor do Café: o livre mercado é bom para os pobres
O benefício da liberalização econômica é mais bem ilustrado pelo setor cafeeiro de Ruanda, no qual mais de meio milhão de famílias dependem (resumimos as conclusões do artigo da Karol Boudreaux do Mercatus Center “State Power, Entrepreneurship, and Coffee: The Rwandan Experience.”).
Apenas duas décadas atrás, esse setor era altamente regulado e controlado pelo governo: era a fonte principal de renda. Os fazendeiros eram forçados a separar ao menos um quarto de sua terra para o plantio de café, produto que uma agência governamental comprava a um preço abaixo do mercado. O governo então vendia o café para os mercados a um preço maior e embolsava a diferença. No topo desse imposto implícito, os fazendeiros tinham que pagar um imposto de exportação.
Esse esquema de intervencionismo injusto era apoiado pelo governo corrupto e enriqueceu seus companheiros. Os fazendeiros eram legalmente saqueados. Entretanto, por causa de sua inerente insustentabilidade e os efeitos destrutivos do genocídio, o esquema finalmente ruiu.
Não aconteceu nada até o final dos anos 1990, quando o governo de Paul Kagame liberalizou o setor de café. A reforma removeu as exigências legais e tornou possível para os fazendeiros investir e inovar. Os cidadãos de Ruanda – parcialmente amparados pelo ocidente – se focaram em aumentar a qualidade ao invés da quantidade, aumentando a eficiência e a produtividade. Isso fomentou as relações entre fazendeiros e empreendedores, e as oportunidades de negócios os encorajaram a adquirir mais conhecimento.
Graças a essas melhorias, os preços subiram. Consequentemente, cerca de 50.000 famílias viram as rendas advindas da produção de café dobrar. Pela primeira vez, as famílias podiam bancar as taxas das escolas de suas crianças, pagar contas médicas, comprar roupas, consertar suas casas, ou investir em seus pequenos negócios.
Como Karol Boudreaux destaca, a liberalização não apenas aumentou as oportunidades econômicas e o potencial das pessoas, além da cooperação social e a coesão entre os Tutsi e Hutu, o que era desesperadamente necessário após o genocídio.
A Maldição da Ajuda Externa
O país ainda tem muitos problemas, alguns dos quais são muito comuns a outras economias de baixa renda. Esses problemas consistem basicamente de altas taxas de malária e AIDS, falta de acesso à água potável e eletricidade, e uma forte dependência da agricultura de subsistência, um setor que emprega cerca de 70% da mão de obra.
Além disso, a economia de Ruanda sofre de várias vulnerabilidades que podem dificultar seu crescimento. Primeiro, o país depende excessivamente de ajuda externa, que cobre cerca de 40% do orçamento do governo e soma algo como 18% a 20% do PIB. Segundo, a economia pouco diversificada – principalmente café e chá, e outros produtos agrícolas – torna Ruanda mais vulnerável a variações do mercado. Terceiro, déficits crônicos na balança comercial e no orçamento (sintomas de outros problemas) criaram altos níveis de dívida externa e governamental que precisarão ser pagos.
Embora, à primeira vista, essas três questões possam parecer independentes umas das outras, a verdade é que elas estão inter-relacionadas. Por exemplo, o problema da dívida pode ser parcialmente causado pelos níveis crescentes de ajuda ao desenvolvimento. O fato de que cerca de 30% da dívida total de Ruanda seja com o Banco Mundial ilustra tal ponto. Como os economistas africanos Dambisa Moyo e George Ayittey defendem – ecoando o grande economista do desenvolvimento Peter Bauer – e como o presidente Kagame acredita, a ajuda externa pode na verdade estar prejudicando os países e comunidades que está tentando ajudar. Em primeiro lugar, geralmente os recursos são usados em projetos improdutivos ou até mesmo destrutivos, com consequências sociais perversas. Segundo, mesmo se o dinheiro chega ao pobre, cria uma dependência perniciosa – similar àquela que o estado assistencialista cria nos países desenvolvidos. Países pobres precisam de investimento produtivo e empreendedorismo, e não assistencialismo.
Apesar disso, nenhum país se desenvolve de um dia para outro. Preferivelmente, o desenvolvimento econômico é um processo de longo prazo de crescimento sustentável que requer boas doses de paciência e a capacidade das pessoas vencerem vários desafios pelo caminho, como desastres naturais ou instabilidade política.
A Ruanda de 2020
Com isso em mente, o governo de Ruanda recentemente lançou uma iniciativa chamada Rwanda Vision 2020. Foca-se em objetivos de desenvolvimento de longo prazo, tais como a transformação da atual economia agrícola e de subsistência em uma economia mais sólida e diversificada, menos dependente de ajuda externa. O governo parece entender que a solução para a pobreza deve vir através do livre mercado, e não de ativismo governamental.
Assim, como explicado no resumo do plano Rwanda Vision 2020, o governo não irá se envolver no fornecimento de bens e serviços que podem ser oferecidos de forma mais eficiente e competitiva pelo setor privado. Bens serão privatizados para ajudar a reduzir os preços de bens e serviços, aumentar a oferta para os consumidores e atrair investidores estrangeiros. Além disso, será promovido o movimento livre de pessoas e bens.
Apesar das dificuldades de Ruanda, as políticas econômicas de livre mercado já estão gerando frutos. Além do forte crescimento e da redução da pobreza, a agência Standard&Poor mostrou uma perspectiva positiva para Ruanda em 2011.
Para o sucesso de Ruanda ser sustentável no longo prazo, o país precisará manter a expansão da liberdade econômica, removendo as barreiras para a atividade produtiva. Além disso, os países ocidentais devem abolir barreiras de comércio que prejudiquem os produtores africanos.
Se o governo de Ruanda continuar a ser limitado, o setor privado irá florescer e o povo de Ruanda irá se beneficiar dos mercados globais.
// Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Robson Silva. | Artigo Original