Ciência Política bolha ideológica

Publicado em 5 de junho de 2014 | por Sandy Ikeda

Rótulos e bolhas ideológicas

Seja cuidadoso na hora de rotular as pessoas com quem você discorda

Quando me envolvo em uma discussão ideológica, eu tento ter cuidado em como a pessoa com quem eu estou discutindo vai me rotular e como eu vou rotulá-la ideologicamente. Eu não estou falando de palavras desdenhosas ou pejorativas (por exemplo, mau, estúpida, ignorante), mas termos próprios de uma discussão formal. Como habitualmente rotulamos nossos oponentes no diálogo ideológico poderia revelar algo desagradável sobre o mundo no qual vivemos.

Rotular da maneira correta

Agora, algumas pessoas argumentam que “ideias importam, rótulos não”. Quando falamos sobre uma questão específica – por exemplo, a intervenção militar no Oriente Médio – então, sim, chamá-la de “esquerdista”, “libertária”, progressista”, “socialista”, ou qualquer coisa não contribui em nada para o debate. Contudo, quando se refere a uma visão de mundo de uma pessoa ou grupo particular ou um grupo de pessoas que pensam da mesma forma, especialmente no contexto do debate público, então como nos rotulamos e rotulamos a outrem pode ser de suma importância. Se o objetivo é promover um diálogo construtivo, então é importante rotular da forma correta.

Nesses casos, nós preferimos ser chamados pelo rótulo com o qual nos identificamos. Eu não gosto de ser chamado de conservador ou progressista porque esses rótulos representam um conjunto de ideias e políticas das quais muitas eu não defendo. Eu prefiro ser chamado de libertário. (“Liberal-clássico” poderia ser melhor, mas ninguém no mainstream sabe o que é isso).

Colegas de faculdade que conheço há décadas assumem que eu sou um conservador porque me manifestei abertamente contra um sistema de saúde estatal, do que erroneamente inferem que sou contra o casamento de pessoas do mesmo sexo e que defendo o envio de tropas para guerras em outros países. Leitores da revista The Freeman tiveram, estou seguro, que se defender contra a acusação de serem “pró-empresas” devido ao nosso ceticismo com relação à regulamentações e aos altos impostos. Temos que explicar que defender o livre mercado não é uma postura pró-empresas, pró-consumidor ou pró-trabalhadores (embora a posição do livre mercado é, de certa forma, “pró” todas essas e outras coisas mais). Esse tipo de rotulação enganosa, além de irritante, pode ser o resultado de um erro honesto – um que confesso também cometer.

Rotular erroneamente uma pessoa por engano é uma coisa:  “conservador” por “libertário”, “marxista” por “progressista”. Outra coisa é rotular o seu oponente erroneamente de forma deliberada, um truque que a força perder tempo com a falsa acusação. Mas existe um terceiro tipo de falsa rotulagem que reflete um tipo mais extremo de erro, um que surge do isolamento.

Alguém se chama neoliberal ou estatista?

Estou resenhando um livro sobre cidades cujo autor usa muitas vezes a palavra “neoliberal”. É usada principalmente por europeus “da esquerda” – isto é, social democratas, progressistas, socialistas, verdes – para se referir a pessoas ou grupos que defendem algum tipo de posição “libertária”. Explicarei em breve porque estou usando aspas aqui.

Do que pude constatar de meus colegas europeus, contudo, ninguém se identifica como “neoliberal”. “Neoliberal” é aparentemente um termo que algumas pessoas vinculam a posições de “extrema direita”, o qual aparentemente inclui as pessoas que supostamente possuem um agenda anti-sindical e pró-empresas. Óbvio que esse tipo de pessoa realmente existe, mas existe uma razão pela qual ninguém se define como neoliberal. Como Stanley Fish explicou há alguns anos no The New York Times, “Neoliberalismo é uma forma pejorativa de se referir a um conjunto de políticas econômicas baseadas numa grande fé nos efeitos benéficos do livre mercado”. Portanto, “neoliberal” é pejorativo.

E antes que os libertários se revoltem, permitam que eu diga que nós utilizamos palavras como “coletivista” e “estatista” quando descrevemos nossos oponentes, e, pelo que sei, ninguém se auto-identifica com aqueles termos. Na verdade, entre nossos companheiros de causa, pode ser apresentado um significado claro e despertar um espírito de equipe. Contudo, usar repetidamente  a palavra em diversas oportunidades para descrever outrem, quando ninguém usa a palavra para se auto-identificar, é um sinal muito claro de que você vive em uma bolha ideológica.

Evidentemente, enquanto que a autora do livro que estou resenhando diz estar escrevendo para um “público leitor interdisciplinar”, ela dá como certo que seu público será ideologicamente simpático.

Nossas bolhas ideológicas

Uma “bolha ideológica”, na minha interpretação, é uma rede social de compreensão ideologicamente compartilhada que afasta seus membros de outros com visões opostas. Você pode ser um ferrenho anarquista de mercado, por exemplo, mas ainda estar disposto a ter uma conversa séria e civilizada com pessoas com quem você discorda veementemente. De forma simples, você vive em uma bolha ideológica se você só fala sobre ideologias com pessoas que você já concorda previamente.

Uma bolha ideológica nos isola das críticas feitas aos nossos princípios e posições, retardando nosso crescimento intelectual. Isso nos dá uma falsa sensação de segurança e de satisfação, colocando para fora toda nossa intolerância e aspereza – coisas que destroem uma discussão civilizada. Além disso, tenha em mente que são normalmente os espectadores curiosos de um debate que queremos persuadir, e eles levarão em conta nossa linguagem e conduta no momento de julgar nossas ideias.

Uma das coisas que aprendi com o meu grande professor Israel Kirzner é que nós não podemos realisticamente estar cientes de todas as nossas atuais limitações porque nós simplesmente não sabemos tudo o que não sabemos. Nós temos pontos cegos, e isso significa que bolhas intelectuais de todos os tipos são inevitáveis. No entanto, isso não significa que elas devem permanecer invisíveis para nós. Kirzner também nos ensinou que a descoberta criativa é possível. Os sinais estão aí, e manter os olhos abertos a eles nos dará a chance de torna-los, pelo menos, um pouco mais permeáveis.

// Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Terceiro. | Artigo Original


Sobre o autor

Sandy Ikeda

Sandy Ikeda é Professor de Economia na Purchase College da Universidade Estadual de Nova York, local em que recebeu o seu Ph.D. em economia e onde estudou com Israel Kirzner, Mario Rizzo, Fritz Machlup e Ludwig Lachmann. Autor de "The Dynamics of the Mixed Economy: Toward a Theory of Interventionism (1997).", é um Associado do Institute for Humane Studies (IHS).



Voltar ao Topo ↑