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Publicado em 1 de outubro de 2011 | por Daniel James Sanchez

Mises sobre a mente e o método, parte 2

A Praxeologia Não é Algo Novo

Já que a “praxeologia” é um neologismo, e tendo em vista que os escritos de Mises são distintivos por sua caracterização consistente da economia como sendo a priori, é fácil supor que Mises estava inventando uma nova forma de olhar para o mundo. Mas esse não é o caso.

“Ao afirmar o caráter a priori da praxeologia não estamos elaborando um plano para uma futura nova ciência diferente das ciências tradicionais da ação humana. Nós não afirmamos que a ciência teórica da ação humana deve ser apriorística, mas que ela é e sempre foi dessa forma. Toda tentativa de refletir sobre os problemas criados pela ação humana está necessariamente ligada ao raciocínio apriorístico.” [34]

Em seus escritos metodológicos, Mises não estava estabelecendo a economia sobre algum tipo de novo fundamento tanto quanto estava apontando os fundamentos sobre os quais a correta economia sempre se baseou. Tudo o que é válido na lei de Gresham, no mecanismo “price-specie flow” de Hume, na lei das vantagens comparativas de Ricardo e na lei dos mercados de Say é válido porque é baseado na compreensão apriorística do seu criador sobre a ação humana e nos pressupostos introduzidos na formulação do teorema.

Além disso, todo pensador cuidadoso das relações humanas (não apenas os economistas) só pode alguma vez ter tido sucesso na medida em que se engajou no apriorístico raciocínio praxeológico.

“Toda tentativa de refletir sobre os problemas criados pela ação humana está necessariamente ligado ao raciocínio apriorístico. Não faz nenhuma diferença, no que diz respeito a isso, se os homens que estão discutindo um problema são teóricos visando apenas o conhecimento puro ou estadistas, políticos e cidadãos comuns ávidos pela compreensão das mudanças que ocorrem e pela descoberta de que tipo de política pública ou conduta privada melhor atenderiam aos seus próprios interesses. As pessoas podem começar a discutir sobre a relevância de alguma experiência concreta, mas o debate inevitavelmente afasta-se dos aspectos acidentais e ambientais do evento em questão e aproxima-se de uma análise dos princípios fundamentais, e imperceptivelmente abandonam qualquer referência aos acontecimentos factuais que evocoram a discussão.” [35]

De fato, toda a humanidade sempre utilizou o raciocínio praxeológico. Mises só deixou clara a distinção entre a parte que sempre está presente no raciocínio humano e as demais partes. Somente depois de essa distinção ser feita que poderia ser dado um nome para aquela parte do raciocínio humano. Se o homem não tivesse sempre utilizado o raciocínio praxeológico, o mais rudimentar entendimento das ações dos demais homens e, portanto, também de toda a sociedade humana, teria sido totalmente impossível.

“Toda a experiência relacionada à ação humana é condicionada pelas categorias praxeológicas e só se torna possível através da aplicação delas. Se não tivéssemos em nossas mentes os esquemas fornecidos pelo raciocínio praxeológico, nunca deveríamos estar em condições de discernir e compreender qualquer ação. Nós perceberíamos movimentos, mas não compras e vendas, nem preços, salários, taxas de juro, e assim por diante. Somente através da utilização do esquema praxeológico é que nós nos tornamos capazes de ter uma experiência relativa a um ato de compra e venda, e independentemente do fato de nossos sentidos concomitantemente perceberem ou não qualquer movimento de homens e elementos não-humanos do mundo externo. Sem a ajuda do conhecimento praxeológico, nós nunca aprenderíamos nada sobre meios de troca. Se nos aproximarmos de moedas sem tal conhecimento preexistente, veríamos nelas apenas placas redondas de metal, nada mais. A experiência no que diz respeito à moeda exige familiaridade com a categoria praxeológica de meio de troca.” [36]

A Natureza e o Reino Humano

Dos três tipos de categorias discutidos acima, um (as relações lógicas fundamentais) é fundamental para todo o raciocínio. Os outros dois (causalidade e teleologia / ação) são fundamentais para qualquer raciocínio sobre a mudança no mundo.

“Há para o homem apenas dois princípios disponíveis para um entendimento mental da realidade, a saber, aqueles de teleologia e causalidade. O que não pode ser contido por nenhuma dessas categorias é absolutamente escondido da mente humana. Um evento que não está aberto a uma interpretação por um destes dois princípios é inconcebível e misterioso para o homem. A mudança pode ser concebida como o resultado da operação de causalidade mecânica ou de comportamento propositado; para a mente humana, não há uma terceira maneira disponível.” [37]

E novamente, essas categorias são anteriores a toda experiência, porque são pré-requisito para a significatividade de qualquer experiência. Para que a sensação faça sentido, ela deve ser refratada através das lentes cognitivas duplas da “causa” e do “propósito”.

“O que diferencia o domínio das ciências naturais do das ciências da ação humana é o sistema categórico recorrido por cada uma para interpretar os fenômenos e para construir teorias. As ciências naturais não sabe nada sobre as causas finais; a investigação e teorização são totalmente guiadas pela categoria da causalidade.” [38]

A existência dessas duas formas alternativas de explicar a mudança (causalidade e teleologia) no mundo levanta questões: Como é que sabemos qual delas usar em cada mudança particular? Como sabemos quando estamos lidando com a natureza e quando estamos lidando com a esfera da ação humana?

Nós estamos, em todos os momentos reflexivos, conscientes de nossa própria condição de seres agentes. Mas e o que dizer daqueles outros seres que se deslocam por aí e que por acaso se parecem conosco? Como podemos ter certeza de que eles não são meros simulacros, sem que de alguma forma nós adentremos em suas mentes? Essa é obviamente uma questão extravagante. Não há nenhuma prova praxeológica da existência de qualquer dado alter ego. Mas, como escreveu Mises,

“não há dúvida de que o princípio segundo o qual um Ego lida com todo o ser humano como se o outro fosse um ser pensante e agente como ele próprio evidenciou sua utilidade, tanto na vida mundana quanto na pesquisa científica. Não se pode negar que ele funciona.” [39]

E a partir do momento que optamos por considerar os outros como sendo seres agentes, todos os teoremas gerais da praxeologia devem ser considerados aplicáveis a esses outros.

A categoria da teleologia é um traço tão proeminente da mente humana que as mentes relativamente inexperientes com frequência pintam todo o mundo em cores teleológicas.

“Tanto o homem primitivo quanto a criança, numa atitude antropomórfica ingênua, consideram bastante plausível que toda mudança e todo evento são resultado da ação de um ser que age da mesma forma que eles próprios. Eles acreditam que os animais, plantas, montanhas, rios, fontes e até mesmo as pedras e os corpos celestes, são, como eles próprios, seres agentes com sentimento e vontade.” [40]

Aqui Mises descreveu o animismo, uma visão do universo na qual aos objetos, os quais as mentes mais experientes descrevem como inanimados, são atribuídas inteligência e vontade.

Quando a cultura vai se desenvolvendo, uma sociedade muitas vezes muda do animismo para o teísmo, no qual os objetos são considerados inanimados, mas seus movimentos são determinados de acordo com os propósitos de deuses agentes providos de vontade.

“Quando as pessoas não sabiam como buscar a relação de causa e efeito, elas procuravam uma interpretação teleológica. Elas inventaram deuses e demônios cuja ação intencional era atribuída a certos fenômenos. Um deus emitia relâmpago e trovão. Outro deus, irritado com alguns atos dos homens, matava os pecadores atirando flechas.” [41]

No entanto, não se deve supor que os povos primitivos só recorriam à categoria da teleologia, e nunca à categoria da causalidade.

“Ambas as categorias foram recorridas pelo homem primitivo e são recorridas até hoje por todos pensar e agir diários. As mais simples habilidades e técnicas implicam conhecimentos adquiridos pela pesquisa rudimentar em causalidade.” [42]

Assim como, no exemplo citado anteriormente neste trabalho, um homem desprovido da categoria da causalidade não poderia aprender a evitar o fogo, um povo sem a categoria da causalidade não poderia nunca aprender a fazer fogo. Ninguém jamais teria qualquer razão para supor que a fricção gerando chama no passado teria alguma implicação para o futuro.

À medida que a cultura e a tecnologia avançam, o âmbito da causalidade tende a se expandir em detrimento do âmbito da teleologia. Dessa forma, as sociedades tendem, como explica Mises, a substituir a teleologia animista pela causalidade: “Apenas em um estágio posterior de desenvolvimento cultural que o homem renuncia a essas ideias animistas e as substitui pela visão de mundo mecanicista.” [43]

E as sociedades eventualmente substituem a teleologia teísta pela causalidade: “As pessoas lentamente passam a saber que eventos meteorológicos, doenças e a disseminação de pragas são fenômenos naturais e que pára-raios e agentes anti-sépticos fornecem uma proteção efetiva, enquanto que os ritos mágicos são inúteis.” [44]

Essa transição do pensamento foi brilhantemente exemplificada pelo médico Hipócrates da Grécia Antiga, nos seus escritos sobre a epilepsia, que tinha, antes de seu tempo, sido chamada de “doença sagrada”.

“Em relação à doença dita sagrada: ela parece-me ser de modo algum nem mais divina nem mais sagrada do que outras doenças, mas tem uma causa natural determinante como outras enfermidades. Homens consideram que a sua natureza e causa são divinas por ignorância e espanto, porque ela não é nada parecida com a outras doenças. E essa noção de sua divindade é mantida por sua incapacidade de compreendê-la, e pela simplicidade do modo pelo qual ela é curada, pois os homens se livram dela através de purificações e encantamentos. Mas, se ela for considera divina porque é espantosa, ao invés de uma, há muitas doenças que seriam sagradas; pois, como vou mostrar, há outras não menos espantosas e extraordinárias, que ninguém imagina serem sagradas.” [45]

Abandonar a teleologia em prol da causalidade teve resultados tão satisfatórios nos assuntos pragmáticos que pensadores começaram a fazer a mesma mudança, mesmo em relação a assuntos bem distantes do dia-a-dia da vida, e sobre os quais eles não tinham nenhum controle.

Carl Sagan descreveu esse processo eloquentemente em seu livro Cosmos.

Por milhares de anos os seres humanos foram oprimidos – como alguns de nós ainda são – pela noção de que o universo é uma marionete cujos fios são puxados por um deus ou por deuses, invisíveis e inescrutáveis. Então, 2500 anos atrás, houve um despertar glorioso em Ionia: na ilha de Samos e nas outras colônias gregas próximas que cresceram entre as ilhas e enseadas do movimentado leste do Mar Egeu. De repente, havia pessoas que acreditavam que tudo era feito de átomos; que os seres humanos e outros animais tinham surgido a partir de formas mais simples; que as doenças não eram causadas por demônios ou deuses; que a Terra era apenas um planeta que circunda o sol. E que as estrelas estavam muito distantes.

Esta revolução tirou Cosmos de Caos. Os gregos antigos acreditavam que o primeiro ser foi Caos, que corresponde, no mesmo contexto, à frase no Gênesis “sem forma”. Caos criou e e, em seguida, acasalou com uma deusa chamada Noite, e sua prole eventualmente produziu todos os deuses e homens. Um universo criado a partir de Caos estava em perfeita sintonia com a crença grega numa natureza imprevisível dirigida por deuses caprichosos. Mas, no século VI A.C., na Jônia, um novo conceito se desenvolveu, uma das grandes ideias da espécie humana. O universo é conhecível, os jônicos antigos argumentaram, porque ele exibe uma ordem interna: há regularidades na Natureza que permitem que os seus segredos sejam descobertos. A natureza não é totalmente imprevisível; há regras que mesmo ela deve obedecer. Esse caráter ordenado e admirável do universo foi chamado de Cosmos.

E na série de televisão que foi base para o livro Cosmos, Sagan disse,

O primeiro cientista joniano chamava-se Thales. Ele nasceu lá, na cidade de Mileto, do outro lado desse exíguo estreito. Ele tinha viajado ao Egito e estava familiarizado com o conhecimento da Babilônia. Como os babilônios, ele acreditava que todo o mundo, um dia, era apenas composto por água. Para explicar a terra seca, os babilônios acrescentaram que seu deus Marduk tinha colocado um tapete na superfície das águas e empilhou sujeira em cima dele. Thales tinha uma visão semelhante, mas ele deixou Marduk de fora. Sim, o mundo tinha sido um dia formado quase completamente por água, mas era um processo natural que explicava a terra seca. Thales pensou que esse processo era semelhante ao assoreamento que ele tinha observado no delta do rio Nilo.

O fato de as conclusões de Thales serem certas ou erradas não é nem de longe tão importante quanto a sua abordagem. O mundo não foi criado pelos deuses, mas ao invés disso era o resultado de forças materiais interagindo na natureza.

Essa abordagem eventualmente levou à revolução científica dos tempos modernos.

Antiteleologia Radical

Mises descreve como o histórico da mudança da teleologia para a causalidade levou alguns pensadores a suporem que a abolição completa da teleologia de todo o pensamento científico estava em processo.

“As realizações maravilhosas das ciências naturais experimentais levou ao aparecimento de uma doutrina metafísica materialista, o positivismo. O positivismo nega peremptoriamente que qualquer campo de investigação esteja aberto para a investigação teleológica. Os métodos experimentais das ciências naturais são os únicos métodos adequados para qualquer tipo de investigação.” [46]

Positivistas e outros antiteleologistas radicais rejeitam até mesmo investigações nas ciências sociais. Em um exemplo de “cientificismo” (a tendência de imitar as ciências físicas), estes críticos das abordagens tradicionais para o estudo dos assuntos humanos consideram que de todas as ciências teleológicas são o último refúgio do animismo. B.F. Skinner, o fundador do behaviorismo radical, tipificou essa atitude quando escreveu:

“Durante dois mil e quinhentos anos as pessoas têm se preocupado com os sentimentos e com a vida mental, mas só recentemente tem sido demonstrado qualquer interesse em uma análise mais precisa do papel do ambiente. A ignorância desse papel leva, em primeiro lugar, a ficções mentais e tem sido perpetuada pelas práticas explanatórias que essas deram origem.” [47]

Antiteleologistas radicais caracterizam palavras como “pretende”, “acredita”, “deseja”, e “amor” como “mentalês” ou “psicologia popular”. Muitos nem sequer acreditam que esses conceitos podem ser reduzidos a fenômenos materiais (um esforço que muitos consideram que foi provado fútil pela teoria de intencionalidade de Franz Brentano). Ao invés disso eles consideram que essas noções teleológicas são completas ficções que deveriam ser descartadas, da mesma forma que os animismos teleológico e teísta não foram “reduzidos”, mas simplesmente descartados.

Sidney Morgenbesser disse ter feito uma pergunta a B.F. Skinner que sucintamente mostrou como é ridículo adotar essa abordagem nas ciências sociais: “Deixe-me ver se entendi sua tese. Você acha que não devemos antropomorfizar as pessoas?”

Mesmo assim, algumas pessoas assumem que a antiteleologia radical é um acompanhamento necessário do monismo materialista e da rejeição do dualismo corpo-mente cartesiana. Eles pensam que tudo o mais que não fosse a antiteleologia radical estaria, até certo ponto, aceitando a independência da alma como se fosse uma espécie de “fantasma numa casca”.

Mises negou isso. Ele argumentou que o que ele chamou de “dualismo metodológico” (aplicar a causalidade à natureza e a teleologia aos assuntos humanos) não implica necessariamente num dualismo do tipo “fantasma numa casca”. [48]Além disso, o dualismo metodológico ainda é necessário, mesmo que você aceite inteiramente o monismo materialista.

“Podemos razoavelmente supor ou acreditar que eles são absolutamente dependentes e condicionados por suas causas. Mas na medida em que não sabemos como fatos externos – físicos e fisiológicos – produzem certos pensamentos e vontades em uma mente humana resultando em atos concretos, nós temos de lidar com um intransponível. dualismo metodológico.” [49]

O dualismo metodológico não é recorrido porque nós não sabemos se as ações são determinadas ou não. Mesmo se assumirmos que os comportamentos humanos são de fato determinados, na medida em que não sabemos quaisações serão causadas por quais fatores, ainda temos que recorrer ao dualismo metodológico.

Não basta saber que excitar neurônios leva a comportamentos. Para que um cientista que está estudando o comportamento humano possa praticar o monismo metodológico, ele precisaria saber quais circunstâncias relativas à excitação de neurônios levariam à decisão de que seriam realizados os movimentos corporais que “os psicólogos populares bobos” chamam de “composição de uma sinfonia”, e quais circunstâncias relativas à excitação de neurônios levariam, ao invés disso, a movimentos corporais que “os psicólogos populares bobos” chamam de “leitura de um livro.” Na medida em que não podemos realizar uma façanha extraordinária como essa, a única maneira de estudar os assuntos humanos que faz sentido é considerar os seres humanos como sendo seres agentes providos de mentes, vontades e intenções.

Alguns afirmam que o “dualismo metodológico” é uma posição provisória, recorrida apenas porque nós ainda não temos a tecnologia para explicar plenamente a complexidade do cérebro humano, e que essa postura pode, eventualmente, ser abandonada quando alcançarmos esse nível de tecnologia.

No entanto, adiciono um argumento meu, complementar ao de Mises: os seres humanos não são especiais para a ciência apenas porque eles são complexos. Eles não estão, basicamente, no mesmo patamar científico que padrões climáticos. Eles são especiais para a ciência porque as próprias questões que queremos responder sobre eles são de natureza teleológica. A razão pela nós estudamos a ação humana, primeiramente, é que temos algumas perguntas que estão intimamente ligadas aos propósitos humanos que os antiteleologistas julgam ser ficções mentalistas.

Por exemplo, as pessoas estão vitalmente interessadas em economia , em grande parte, com o objetivo de descobrir os arranjos institucionais e legais nos quais os seres humanos podem prosperar. Como alguém pode explicar “como os seres humanos prosperam” quando a “ficção mental” teleológica de “prosperar” é julgada a princípio como absurda? Eu desafiaria qualquer economista antiteleológico a até mesmo definir (sem nem precisar explicar) “bens”, “moeda”, “lucro”, “prejuízo” e “renda” sem usar a linguagem teleológica e “mentalista” que eles ridicularizam como sendo “psicologia popular”.

Investigações sobre as causas e a natureza da riqueza das nações são fundamentalmente diferentes das investigações sobre as causas e a natureza da umidade dos ventos alísios. Se nós tivéssemos instrumentos precisos o suficiente e computadores poderosos o suficiente, nós poderíamos explicar tudo sobre os mais complexos padrões de tempo. Mas não importa o quão precisos sejam seus instrumentos, não importa quão poderosos sejam os seus computadores, tudo o que você vai encontrar no cérebro são processos e padrões químicos, elétricos, subatômicos e outros. Você nunca encontrará preferências, propósitos, custos ou procedimentos.

Isso não quer dizer que o primeiro não cause o último. Isso quer dizer que os termos com os quais as nossas mentes apreendem a causalidade e aqueles com os quais elas apreendem a teleologia são fundamentalmente diferentes e simplesmente não se traduzem entre si.

Os mais extremos e radicais antiteleologistas estão de fato certos quando dizem que, na linguagem da causalidade,não há tal coisa como teleologia. É por isso eles não querem explicar a teleologia em termos da causalidade; ao invés disso, eles querem abandonar a teleologia completamente. A posição deles é ridícula, porque isso implicaria o abandono de todas as questões econômicas, sociológicas, etnográficas e históricas, mas pelo menos ela é mais lógica do que a posição das pessoas que acham que podem responder às questões teleológicas com respostas causais.

Nós temos muitas questões causais sobre nossos corpos (incluindo os nossos cérebros) porque nossos corpos são úteis para nós. Mas nós também temos muitas perguntas teleológicas sobre escolhas, sucessos, fracassos, prosperidade e pobreza. A partir do momento em que você abandona a linguagem teleológica, você efetivamentejá mudou a pergunta. Então, na medida em que nós ainda estamos fazendo perguntas teleológicas, precisamos continuar a fornecer respostas teleológicas.

Não há nada de errado com a neurobiologia e a neuroquímica; de fato, essas ciências estão conquistando maravilhas para nós. Mas as ciências sociais nunca poderão ser decompostas nessas ciências naturais, porque a mente humana nunca pode decompor a teleologia em causalidade sem abandonar por completo a teleologia, e estudar os assuntos humanos sem levar em conta a ação propositada não é o estudo dos assuntos humanos de forma alguma.

Economia Cientística

A maioria dos cientistas sociais que buscam imitar as ciências naturais não levam as coisas tão longe ao ponto de negar por completo a teleologia. A maioria considera os humanos como sendo seres agentes. No entanto, em seus empreendimentos “cientísticos”, eles acabam invalidando todos os seus esforços com abordagens defeituosas. Um dos aspectos das ciências naturais que eles tentam imitar são os métodos empíricos dessas.

Complexidade

No entanto, todos os dados, não importa quão numerosos e cuidadosamente recolhidos, são sempre informações sobre eventos passados: experiência histórica. E, como escreveu Mises,

A experiência com a qual as ciências da ação humana tem que lidar é sempre uma experiência de fenômenos complexos. Nenhum experimento de laboratório pode ser feito com relação à ação humana. Nós nunca estamos em posição de observar a mudança de um único elemento, com todas as outras condições do evento se mantendo inalteradas. Se a experiência histórica é uma experiência de fenômenos complexos, ela não nos fornece fatos no sentido em que as ciências naturais empregam esse termo, significando eventos isolados testados em experimentos. A informação veiculada pela experiência histórica não pode ser usada como material de construção para a edificação de teorias e para a predição de eventos futuros. Toda a experiência histórica está aberta a várias interpretações, e é, de fato, interpretada de maneiras diferentes. …

Fenômenos complexos que são produzidos por várias cadeias causais entrelaçadas não podem testar nenhuma teoria. Tais fenômenos, pelo contrário, apenas tornam-se inteligíveis através de uma interpretação em termos de teorias anteriormente desenvolvidas a partir de outras fontes. No caso dos fenômenos naturais, a interpretação de um evento não deve estar em desacordo com as teorias verificadas de forma satisfatória através de experimentos. No caso dos eventos históricos não há tal restrição. Os comentaristas estariam livres para recorrer a explicações bastante arbitrária. Quando há algo a explicar, a mente humana nunca se perdeu ao inventar, ad hoc, algumas teorias imaginárias, desprovidas de qualquer justificação lógica. [50]

Não-regularidade

Mais ainda, a abordagem empírica nas ciências naturais só é fecunda por causa de sua regularidade, e por causa da nossa capacidade de usar a categoria da causalidade de forma a usar, cuidadosamente, regularidades observadas no passado para inferir tais regularidades de forma geral (em outros lugares e tempos). Mas, como Mises argumentou, simplesmente não há tal regularidade no âmbito da ação humana:

Epistemologicamente, a marca distintiva do que chamamos de natureza é encontrada na regularidade determinável e inevitável na concatenação e seqüência de fenômenos. Por outro lado, a marca distintiva do que chamamos de esfera humana ou história ou, ainda melhor, de esfera da ação humana é a ausência de uma regularidade universalmente vigente. Sob condições idênticas, pedras reagem ao mesmo estímulo da mesma maneira; nós podemos aprender algo sobre esses padrões regulares de reação, e nós podemos fazer uso desse conhecimento para orientar nossas ações orientadas para certos fins. A nossa classificação dos objetos naturais e os nomes que atribuímos a essas classes é o resultado dessa noção. Uma pedra é algo que reage de uma forma definida. Os homens reagem aos mesmos estímulos de formas diferentes, e o mesmo homem em diferentes instantes de tempo pode reagir de maneira diferente da sua conduta anterior ou posterior. É impossível agrupar os homens em classes cujos membros sempre reagem da mesma forma. [51]

Economia Matemática

A não-regularidade na esfera da ação humana também faz com que não haja esperança no outro caminho através do qual muitos economistas tentam imitar as ciências físicas: sua “quantofrenia” (uma precipitação irracional em introduzir análises matemáticas nos seus trabalhos).

Primeiramente, medições requerem relações constantes. Dessa forma, em contraste com o domínio natural, a total falta de relações constantes no domínio da ação humana impede a existência de qualquer medição útil.

“No domínio dos eventos físicos e químicos, existem (ou, pelo menos, é geralmente aceite que existem) relações constantes entre as magnitudes, e que o homem é capaz de descobrir essas constantes com um grau razoável de precisão, por meio de experimentos de laboratório. Nenhuma relação constante desse tipo existe no domínio da ação humana além das tecnologias física e química e da terapêutica. …

Aqueles economistas que querem substituir o que eles chamam de “economia qualitativa” pela “economia quantitativa” estão completamente equivocados. Não há, no campo da economia, relações constantes e, conseqüentemente, nenhuma medição é possível.” [52]

Em segundo lugar, equações também exigem relações constantes. Então, novamente em contraste com o domínio natural, a total falta de relações constantes no domínio da ação humana impede a formulação de equações significativas.

[N]a mecânica, a equação pode render serviços práticos muito importantes. Porque existem relações constantes entre os vários elementos mecânicos e porque essas relações podem ser verificadas através de experimentos, torna-se possível a utilização de equações para a solução de definidos problemas tecnológicos. Nossa civilização industrial moderna é essencialmente uma consequência da utilização das equações diferenciais da física. Não existem tais relações constantes, no entanto, entre os elementos econômicos. As equações formuladas pela economia matemática continuam sendo peças inúteis de ginástica mental e permaneceriam assim mesmo se elas expressassem muito mais do elas realmente expressam. [53]

Além desses erros epistemológicos básicos, economistas matemáticos também torturam conceitos econômicos, como o de utilidade e o de equilíbrio com formulações viciosas, de modo a torná-los matematicamente manipuláveis, ao custo da verdade e da significatividade. Como esse é um artigo sobre epistemologia, e não propriamente de economia, eu não vou apresentar todos os argumentos de Mises contra as falácias da economia matemática, apenas direciono o leitor ao meu guia de estudos da Teoria da Moeda e do Crédito, capítulo 2, e Ação Humana, capítulo 9,secção 5, ambos livros de Mises.

Conclusão

Ludwig von Mises fez às ciências sociais (e à própria humanidade) um serviço de valor inestimável, não só através do uso de seu entendimento claro sobre o verdadeiro caráter das ciências da ação humana para sistematizar e avançar a ciência econômica, mas também lançando luz sobre esse verdadeiro caráter para a posteridade.

Mises demonstrou de uma vez por todas que (e de que maneira) a economia é , de fato, uma ciência verdadeira, certa, a priori, e (sim) dedutiva.

Nesses dias sombrios, em que uma metodologia mal embasada levou a uma ciência econômica falaciosa, que por sua vez levou a políticas desastrosas, as obras epistemológicas de Mises brilham como um farol de esperança: esperança de que algum dia as ciências sociais serão corrigidas no nível metodológico fundamental e que, portanto, serão perspicazes o suficiente para guiar a humanidade de volta à sanidade, paz e prosperidade.

Notas

[34] Ibidem.

[35] Ibidem.

[36] Ibidem.

[37]AH, cap.;1.8.9

[38]TH, cap.11.

[39]AH, cap.;1.8.9

[40] Ibidem.

[41]TH, cap.11.

[42] Ibidem.

[43]AH, cap.;1.8.9

[44]TH, cap.11.

[45]Hipócrates, Da Doença Sagrada.

[46]TH, cap.11.

[47]BF Skinner, Sobre o Behaviorismo, cap. 1.

[48]De fato, Mises fornece uma boa razão pela qual é natural rejeitar o dualismo “fantasma na casca” quando assinala que “a nossa impotência para verificar um início absoluto a partir do nada nos força a assumir que também esse algo invisível e intangível – a mente humana – é uma parte pertencente ao universo, um produto de toda a história dele”. UFES, cap.3.1.2.

[49]AH, cap.;1.8.9

[50]AH, cap.2 º, § 1.

[51]TH, Introduction.

[52]AH, cap.2 º, § 8.

[53]AH, cap.16, § 5.

***

Tradução de Gabriel Oliva.


Sobre o autor

Daniel James Sanchez

Daniel J. Sanchez é editor do site Mises.org e diretor da Mises Academy.



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