Por que livre mercado?
Meu primeiro post nessa semana gerou uma discussão interessante na seção de comentários, a qual me levou a escrever esse artigo. Uma questão que surgiu foi a seguinte: “OK, tudo bem, os mercados realmente beneficiam os pobres, entretanto, a real disputa entre os esquerdistas modernos e libertários não é sobre os ‘mercados’, mas sim sobre os ‘livre mercados’. Libertários não querem regulamentações que os esquerdistas aprovam e dizer que os ‘mercados’ ajudam os pobres não nos ajudará a resolver a questão”. É justo. Então, por que os libertários, especialmente os bleeding heart, argumentam que os mercados deveriam estar livres da intervenção governamental?
A resposta curta, é que quaisquer que sejam a intenções por trás das regulamentações governamentais, elas quase sempre acabam trabalhando em prol do interesse dos ricos e poderosos e pouco fazem para proteger os interesses daqueles com poucos meios e mínimo acesso ao poder. Se um compromisso com a justiça social demanda que cuidemos dos menos capacitados entre nós, apoiar a regulação governamental pode certamente violar tal compromisso.
Os problemas começam quando as pessoas subestimam a tarefa atribuída aos reguladores. Como Mises, Hayek e outros economistas influenciados pelo pensamento austríaco têm apontado, os mercados são ecossistemas epistemológicos sofisticados. Como Hayek deixou claro 66 anos atrás, o problema que enfrentamos quando tentamos “construir” uma ordem econômica é sobre como usar da melhor forma todo o conhecimento, que é disperso, contextual e frequentemente tácito. Sua resposta foi que o sistema de preços permite-nos utilizar o conhecimento possuído pelos outros, mesmo quando eles mesmos não podem articular ou expor estatisticamente exatamente o que sabem. Nossas ações de compra e venda fazem com que os preços mudem e permitem que tais preços sirvam como representantes daquele conhecimento oculto. Mesmo sem acesso direto a mente de outras pessoas, nós somos capazes de ter algum conhecimento sobre o que eles valorizam que, por sua vez, permite-nos alocar recursos de maneira que correspondam à aquelas valorações.
Mises e Hayek também argumentaram que, por esse conhecimento ser estruturalmente disperso, contextual e tácito, ele não pode ser agregado pelos planejadores e reguladores governamentais (nem, é bom notar, pelos agentes privados). A única forma de tornar esse conhecimento disponível a outrem é na forma representativa do sistema de preços. Eles argumentam que aí está a razão pela qual tentativas de centralização econômica (tais como o socialismo) estão fadadas ao fracasso: os planejadores não podem fazer uso nem da mínima fração do conhecimento que o sistema de preços permite às pessoas usar. O resultado é que é somente o conhecimento limitado dos reguladores predomina, e não a sabedoria das massas que emerge do livre mercado. Sem um sistema de preços, nós ficamos cegos; quando regulamos os mercados, nós perdemos um olho.
Então, um dos problemas que os reguladores enfrentam é que lhes falta o conhecimento necessário para saber qual e quanto é o valor das coisas para as pessoas. Assim, decidindo o que e como regular, eles estão agindo sob uma informação incompleta e frequentemente errônea. Por tentar sobrepujar o mercado, eles estão substituindo um sistema rico em informações por um pobre.
Mesmo reguladores bem intencionados enfrentarão esses problemas, frequentemente não só deixando de solucioná-los, mas sim criando outros no processo. Diante desses fracassos repetidos, é muito fácil imaginar, e existem muitas evidências apoiando, que os reguladores e políticos que os supervisionam começarão a agir em busca do seu próprio interesse político. Sem a habilidade de tomar decisões confiáveis nos méritos objetivos, o interesse particular progressivamente dominará. Os reguladores tentarão servir as necessidades daqueles que os manterão no poder, promovendo orçamentos cada vez maiores. A chamada “Teoria da Captura” explica que se torna fácil, dessa forma, que os reguladores sejam “capturados” pelas indústrias que regulam, passando a regular de maneira que as regulamentações favoreçam tal indústria.
Obviamente, uma vez que o poder de regular é concedido, aqueles diretamente afetados pelas regulações potenciais utilizarão sua riqueza e poder para fazer lobby junto ao processo político, de maneira que os beneficie. Por exemplo, cerca de 75% dos casos antitruste não são iniciados pelo governo, mas sim por empresas privadas descontentes com o comportamento da concorrência. Os agentes privados constantemente se engajam na prática do lobby e rent-seeking por regulações que lhes beneficiarão e/ou prejudicarão seus concorrentes.
Aqueles que tendem a ganhar benefícios oriundos da regulação, tais como empresas, farão lobby para obter regulações que lhes beneficiassem, enquanto os custos são dispersos entre centenas de milhões de pessoas, nenhuma das quais tendo nenhum incentivo a contestar, nem os recursos ou poder de afetar suas consequências. Com o aumento da politização dos mercados, serão aqueles melhor conectados ao processo político que ditarão as regras do processo regulatório. Eles, diga-se de passagem, não são preocupação principal das pessoas focadas em justiça social.
Regulações específicas, é claro, terão uma variedade de efeitos problemáticos, frequentemente caindo nos ombros dos menos afortunados, por exemplo, as formas pelas quais as leis de salário mínimo pioram o desemprego entre os trabalhadores menos capacitados, normalmente entre jovens e não brancos. Para mim, como economista, o argumento contra grande parte da regulação é precisamente que ela prejudica os menos afortunados que está tentando ajudar e fornece privilégios injustificados àqueles que menos precisam. Existe bastante evidência histórica sobre o papel das grandes corporações na prática do lobby relativo ao desenvolvimento e aprovação de uma grande variedade de regulações. Como argumentei em outra oportunidade, essa é uma característica de uma economia mista, não uma falha. A minha primeira Lei de Economia Política é “ninguém odeia mais o capitalismo do que os próprios capitalistas”, e a economia mista não é acidentalmente manipulada para beneficiar os poderosos. É para isso que foi criada.
Enquanto o estado regular, a possibilidade dos lucros privados atraírem aqueles com poder e recursos para esse jogo, o qual eles irão inevitalmente ganhar. E os perdedores serão aqueles sem poder e recursos. O livre mercado não nos oferece a utopia, mas eu realmente acredito, vendo tudo que foi exposto acima, que ele faz mais para os pobres do que os mercados regulados.
Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Terceiro. || Artigo Original