A liberdade econômica é perigosa?
Elizabeth Anderson argumenta que a liberdade econômica é consideravelmente diferente de outras liberdades básicas, porque seu exercício costuma ser inaceitavelmente prejudicial aos outros (não apenas prejudicial para si mesmo). Anderson provê uma lista de maneiras pelas quais o exercício da liberdade econômica é danosa, argumentando que liberdade econômica não restringida permitiria às corporações colocar fezes de rato em salsichas, comercializar remédios inúteis, despejar lixo tóxico nos rios e conduzir a economia global para o colapso financeiro.
Isso é liberdade econômica? Muitos desses exemplos são casos de fraude. Assim como o direito à liberdade de expressão não confere o direito a fazer reivindicações fraudulentas sobre a eficácia dos medicamentos que as pessoas produzem ou sobre o conteúdo das salsichas que elas fazem, tampouco o faz a liberdade econômica. No entanto, a liberdade de expressão é protegida pela Constituição e quaisquer limites legais estão sujeitos ao escrutínio judicial. Como Anderson salienta, assim como o direito à livre circulação não confere às pessoas o direito de diretamente prejudicar outros ou à sua propriedade, a liberdade econômica não confere às empresas o direito de poluir o ar e os rios, sobre os quais não tem propriedade. Juízes não precisam ser experts em medicamentos ou salsichas ou em ambientalismo para determinar se fala ou movimento ou atividade econômica é prejudicial. Discurso e publicidade são frequentemente complexos e também enganadores. As liberdades de comunicação e de expressão não são absolutas, mas isso não significa que não sejam direitos básicos. Assim também ocorre com a liberdade econômica. Nenhum dos direitos básicos autoriza-nos a diretamente coagir ou enganar os outros.
Anderson salienta ainda que a atividade econômica pode apresentar também externalidades negativas menos diretas. Para ilustrar seu ponto, imagine que o exercício de sua liberdade econômica é prejudicial, mesmo se ninguém for coagido ou enganado. Por exemplo, se Al contrata Candy para trabalhar 14 horas por dia, Bob sofrerá uma piora em sua situação, porque agora Bob não pode mais encontrar um emprego que requeira 8 horas por dia, ou os salários de Bob serão efetivamente mais baixos agora, ou algum efeito similar. Sobre pessoas como Al, Anderson escreve, “elas não estão autorizadas, em nome de sua liberdade pessoal, a enfraquecer as condições sobre as quais a grande maioria dos outros pode desfrutar as liberdades mais importantes.”
Aqui está o ponto de ruptura. Eu penso que trabalhadores como Al estão em seu direito ao fazer seus próprios acordos trabalhistas, livre de regulação. Para ver o porquê, considere outro caso. Al e Bob são trabalhadores industriais com empregos similares. Al descobre uma maneira de realizar melhor seu trabalho, com mais produtividade e acurácia. Agora, fazendo uma comparação, Bob aparece como um empregado pior aos olhos de sua gerente, Cindy. Digamos que essa situação significa que Bob agora precisa trabalhar muito mais horas para se manter no mesmo ritmo que Al. Talvez Al tenha minado as condições sobre as quais Bob desfrutava liberdades importantes, mas Al estava autorizado a fazê-lo. Em muitas profissões, trabalhar mais horas é uma maneira de ganhar vantagem profissional ou econômica, mas nós não pensamos que advogados que registram o maior número de horas trabalhadas estão fazendo algo errado em contra de seus colegas de trabalho menos produtivos. Por que nós reservaríamos essas oportunidades de vantagem econômica apenas para as profissões de alto status como a advocacia, e não para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores assalariados?
Entretanto, Anderson está correto em pensar que, em muitos aspectos, o moderno ambiente de trabalho se assemelha a uma ditadura. Tomasi deixa passar o fato de que todas as virtudes da liberdade empresarial são impossíveis em um ambiente de trabalho opressivo. Ele fala sobre o quanto a liberdade é importante para os empregadores, mas deixa de lado a maneira pela qual esses empregadores tratam seus trabalhadores. Entretanto, ainda é um diagnóstico errado dizer que o trabalho é uma ditadura, porque os trabalhadores e os empregadores têm muita liberdade para definir os termos dos acordos laborais.
Ao invés disso, os elementos moralmente problemáticos do trabalho devem-se ao fato de que “não trabalhar” não é uma opção para muitos trabalhadores. Mas como Tomasi escreve, “assim como regimes social-democráticos, regimes democráticos de mercado podem incluir uma garantia constitucional a uma renda básica ou rede de segurança social”. (Eu sei, eu soou como um disco quebrado sobre isso!) Eu concordo que Tomasi poderia acentuar mais isso. Eu acredito que ele menciona uma renda básica somente uma vez, talvez porque ela conflita com as reivindicações de Murray sobre trabalho pago e auto-estima, que Anderson corretamente contesta como sendo implausível e ofensivo aos trabalhadores voluntários, não pagos. Veja que uma Renda Básica Universal capacita democratas de mercado a reagir à ditadura do ambiente de trabalho sem comprometer liberdades econômicas que importam muito para a “auto-propriedade” (por exemplo, o direito de possuir propriedade produtiva e a liberdade de contrato).
Uma proposta como essa também tem vantagens sobre o chamado pela democracia no ambiente de trabalho. Anderson escreve que:
O argumento para a democracia no ambiente de trabalho e outras restrições democráticas aos empregadores é o mesmo que o argumento para a democracia em qualquer lugar: é superior em assegurar a liberdade e a independência pessoal do governado do que a alternativa autoritária.
Certamente, mas também o argumento contra a democracia no ambiente de trabalho é igual ao argumento contra a democracia em qualquer lugar: ela troca o autoritarismo de um ditador pelo autoritarismo da multidão. Se já é ruim o suficiente que nossos vizinhos tenham muito poder político para influenciar nosso destino econômico e limitar nossos direitos, nós realmente precisamos que, no trabalho, seja da mesma forma?
Eu tenho consciência de que o trabalho pode ser opressivo, mas é exatamente por isso que a liberdade econômica é importante, juntamente com a justiça social. Mesmo onde a falta de liberdade no ambiente de trabalho é um problema, mais limites sobre a liberdade não são a solução, especialmente, não os limites sobre a liberdade dos mais vulneráveis e menos livres entre nós.
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Tradução de Valdenor Júnior. Revisão de Matheus Pacini.