Feminismo votofeminino

Publicado em 3 de outubro de 2014 | por Stephen Davies

Feminismo Libertário na Grã-Bretanha, de 1860 à 1910

Índice

Prefácio

Feminismo Libertário na Grã-Bretanha, de 1860 à 1910

I. As Origens

II. Origens Organizacionais

III. Algumas Publicações

IV. A Questão do Sufrágio

V. A Questão do Emprego Feminino

VI. A Questão da Educação

VII. O Contagious Diseases Act

VIII. O Married Womens’ Property Act

IX. Outros Envolvimentos

X. O Caráter Ideológico do Feminismo Libertário

XI. Crítica à Sociedade

XII. Teoria Histórica

XIII. Propostas Práticas

XIV. A Historiografia do Feminismo Libertário

XV. Um Erro Metodológico

XVI. O que Aconteceu?

XVII. Conclusões

Uma Bibliografia Selecionada

Alguns Comentários sobre o Artigo de Stephen Davies

Prefácio

por Chris R. Tame e Johanna Faust

Quando a Associação Britânica de Feministas Libertárias [British Association of Libertarian Feminists] foi anunciada pela primeira vez, a esquerda recebeu-a com incredulidade.

Ao comentar sobre a rejeição da atual relação entre feminismo e o socialismo pela Associação Britânica de Feministas Libertárias, Pauline Willis declarou no jornal The Guardian,e poderia ser diferente?[1].

Na verdade, a ignorância arrogantemente invencível de tais ataques da imprensa sensacionalista socialista não tem sido compartilhada por outras estudiosas feministas socialistas. Algumas, é claro, como a marxista Judith Walkowitz repercutiram as “feministas militantes burguesas” tão rápido quanto possível para não corromper suas leitoras com qualquer exposição das ideias e atividades de tais canalhas [2]. Entretanto, outras, apesar de seu próprio coletivismo sexual e econômico, não são capazes de deixar as libertárias totalmente de fora da história feminista. Por exemplo, Juliet Mitchell e Ann Oakley, em sua antologia The Rights and Wrongs of Women [3], admitem a existência das “diferentes vertentes de pensamento dentro do feminismo” e do que elas chamam de “feministas burguesas[4], como fazem muitas colaboradoras do volume. Portanto, Margaret Walters escreve sobre a “tradição feminista burguesa” e o livro de Mary Wollstonecraft, Vindication of the Rights of Women, como “certamente a primeira grande declaração feminista em inglês[5]. A própria Mitchell, uma marxista, admite que o “feminismo como um consciente, isto é, autoconsciente, movimento de protesto, surgiu como parte de uma tradição revolucionária burguesa que tinha a igualdade da humanidade como sua maior base[6]. Ela corretamente reconhece que o “conceito universalista liberal de igualdade” é uma conexão vital entre “o surgimento do feminismo e a ideologia do capitalismo[7]. Ainda mais surpreendente, ela argumenta que “se olharmos ao momento em que elas (isto é, as ‘feministas burguesas’) primeiramente formularam o feminismo, sugiro que até mesmo a feminista socialista mais ardente não tem nada de que se envergonhar de suas origens” [8].

Embora possamos reivindicar o título de “feminista” devido à algum pequeno precedente histórico das individualistas liberais, certamente não desejamos negar que as feministas socialistas também apareceram logo depois. Isso não é surpreendente, já que ambos, o liberalismo sistemático e o socialismo sistemático, nasceram aproximadamente na mesma época. Poderíamos reivindicar, é claro, que o feminismo socialista (e mais recentemente, as formas “separatistas” e “lesbianismo político”) oferecem propostas que não podem liberar as mulheres, e atualmente se tornaram ideologias das formas mais extremas de ódio, opressão, violência, desumanidade coletivista e irracionalismo. Tais “feministas” modernas não têm nada em comum com aquelas pensadoras que estavam sinceramente preocupadas com a melhoria das mulheres em especial e da humanidade em geral.

A Conexão Americana

Stephen Davies termina seu tratado sobre o feminismo libertário britânico no ano de 1910. Daquele momento em diante, o feminismo libertário sofreu o mesmo declínio do libertarianismo e do liberalismo clássico em geral – até seu renascimento contemporâneo. Alguns poucos personagens, masculinos e femininos, continuaram a tradição: Dora Marsden [9], a anarquista individualista que escreveu no começo do século XX vale ser mencionada, como também John Mackinnon Robertson [10]. Mas o movimento certamente não pode mais ser chamado de dinâmico.

Nos Estados Unidos, entretanto, o quadro foi consideravelmente diferente. Várias mulheres libertárias constituíram alguns dos principais intelectuais e ativistas do movimento libertário do século 20. Suzanne La Folette foi o elo fundamental entre o feminismo libertário do século XIX e o do século XX na América. Seu notável trabalho Concerning Women [11] foi publicado em 1926, e ela ajudou Albert Jay Nock a fundar a revista The Freeman, o principal revista literária e política da época [12]. Posteriormente, depois da Segunda Guerra Mundial, ela também se envolveu na fundação do periódico de William Buckley, a National Review (que, aliás, transformou-se em uma revista mais conservadora do que libertária).

Entretanto, ainda mais notáveis foram Isabel Paterson, Rose Wilder Lane e Ayn Rand. Como John Chamberlain deixa claro em sua autobiografia, A Life With The Printed Word, foi durante os anos 1940 que essas “três mulheres… que, com olhares desconfiados de desprezo da comunidade empresarial masculina, decidiram reacender uma fé em uma antiga filosofia americana” – o chamado liberalismo clássico [13]. O livro de Paterson, O Deus da Máquina (1943) e os de Rose Wilder Lane, Quero Liberdade (1936) e The Discovery of Freedom (1943), foram declarações originais penetrantes de libertarianismo sem muito da fraqueza das obras anteriores. Foi o trabalho de Ayn Rand, entretanto, que forneceu a declaração mais radical de egoísmo e individualismo ético [14].

Parte do trabalho da Associação Britânica das Feministas Libertárias será a recuperação da rica herança do feminismo libertário anglo-americano, uma ideologia tão revolucionária e relevante atualmente quanto era quando primeiro enunciada no século 18. Estamos orgulhosos de começar esse trabalho de recuperação com esse artigo do Dr. Stephen Davies.

Johanna Faust, Secretary, British Association of Libertarian Feminists

Chris R. Tame, Secretary, The Libertarian Alliance

O feminismo libertário na Grã-Bretanha, de 1860 à 1910

Atualmente, o feminismo é automaticamente associado na mente da maioria das pessoas com o socialismo e a “esquerda”. As duas ideologias são vistas por muitos como intrinsecamente interligadas – mesmo embora muitas feministas estejam cientes de que isso não é inevitável. Em termos práticos, é uma dura realidade que a maioria das feministas também é socialista, embora o grau em que as duas ideologias estão integradas varia consideravelmente entre os indivíduos. Esse atual estado das coisas é enganoso e anômalo. A associação atual de feministas e socialismo não é inevitável mas contingente, o produto de circunstâncias históricas particulares. No passado, as coisas foram bem diferentes. No século XIX, em particular, a maioria das feministas eram individualistas e libertárias radicais – na verdade, os liberais clássicos mais consistentes e “linha dura” eram mulheres feministas. Muitos dos principais libertários masculinos eram também defensores da liberação das mulheres, mais notavelmente Wordsworth Donisthorpe e Auberon Herbert. Entre o fim do século XVIII e a Primeira Guerra Mundial, houve uma tradição autoconsciente de feminismo individualista na Grã-Bretanha que criou uma forma verdadeiramente libertária do feminismo.

I. As Origens

As raízes do feminismo individualista são encontradas no fim do século 18. Houve ‘proto-feministas’ antes disso, mas elas foram confrontadas com o problema de argumentar dentro de uma visão de mundo tradicionalista cristã, era muito difícil encontrar formas de contornar o Gênesis Capítulos 1 e 2 e as Epístolas Paulinas. A análise e argumento reconhecidamente feministas apenas apareceram de fato com o Iluminismo. O advento do feminismo é usualmente datado a 1792 e a publicação do livro de Mary Wolstonecratch, Vindication of the Rights of Women. (Em tradução livre, “Uma Defesa dos Direitos das Mulheres”) Embora isso seja justificável, não devemos negligenciar as outras escritoras feministas da época como Mary Hays, a autora do monumental Female Biography de 1803 e o Appeal To The Men Of Great Britain On Behalf Of Women (Em tradução livre, “Um Apelo aos Homens da Grã-Bretanha em Nome das Mulheres) de 1799. Todas essas mulheres eram individualistas pelo fato de definirem a opressão das mulheres em termos individuais, como a negação da autorrealização e autopropriedade às mulheres individualmente, e a pessoa humana individual sendo primária ontologicamente.

Por outro lado, as feministas radicais definem a opressão feminina em termos coletivistas, como a opressão das mulheres como um grupo através do patriarcado, enquanto para as feministas socialistas, a opressão das mulheres é uma parte inevitável do sistema capitalista e a troca desse sistema é uma condição necessária para a sua remoção.

O fim do século 18 também viu várias mulheres que foram as principais defensoras das ideias liberais, notavelmente Anna Barbauld, Catherine Macaulay e Jane Marcet. A última citada foi a autora em 1816 do livro Conversations on Political Economy, elogiado por Jean Baptiste Say, o principal economista do século 19, como o melhor trabalho sobre política econômica que ele jamais leu.

Jane Marcet tornou-se mais tarde amiga íntima de Harriet Martineau, e foi esta última que juntou o liberalismo e o feminismo individualista. Harriet Martineau foi uma personagem principal na divulgação das ideias liberais na Grã-Bretanha do século 19, apesar de várias limitações pessoais: ela era profundamente surda desde sua infância. Sua produção foi enorme, e em boa parte de suas obras ela desenvolveu uma crítica radical da posição das mulheres, derivada de uma filosofia geral de individualismo intransigente. Um trabalho particular que teve grande impacto foi seu artigo no Edinburgh Review de 1859 sobre “The Industrial Position of Women in England” (Posição industrial das mulheres na Inglaterra). Uma contemporânea de Martineau, que desempenhou um papel crucial em transmitir essas ideias foi Harriet Grote, figura política famosa nos anos 1830; ambas, Codben e Place, consideraram que ela deveria ser a líder do partido radical no Parlamento. Posteriormente, ela envolveu-se na organização do movimento feminista dos anos 1850 e 1860. Sua filosofia foi estritamente individualista (ao contrário de seu marido) e pode ser melhor apreciada em seu Collected Papers (1862).

II. Origens Organizacionais

O surgimento de um movimento feminista libertário organizado pode ser datado bem especificamente em 1857–1859. Esses três anos viram o aparecimento de duas instituições centrais do movimento, The Society For Promoting The Employment of Women (em tradução livre, A Sociedade pela Promoção do Emprego da Mulher) e a The Englishwomans Review. Ambas eram localizadas na 19 Langham Place em Regent Street, Londres, que tornou-se o verdadeiro “quartel-general” do movimento. Esses anos também viram o surgimento conjunto das principais personagens do movimento como Lydia Becker, Helen Blackburn, Barbara Bodichon, Jessie Boucheret, Emily Faithfull, Bessie Parkes e Emily Davies. Outros indivíduos importantes que apareceram depois foram Sophie Bryant, Milicent Garrett Fawcett, Josephine Butler e as duas irmãs Emily Shirreff e Maria Grey.

Barbara Bodichon foi a influência mais importante no centro de uma rede de contatos e amizades. Nascida Barbara LeighSmith em 1827 em Norwich, ela veio de um background de inconformismo radical, e recebeu uma educação anormalmente ampla para uma mulher naquele tempo. Em 1854, ela publicou seu primeiro grande trabalho, A Brief Summary In Plain Language of the Most Important Laws Concerning Women (Em tradução livre, Um Breve Resumo em Lingaguem Simples das Mais Importantes Leis que Preocupam as Mulheres) , seguido em 1857 por Women and Work (Em tradução livre, Mulher e o Trabalho). Durante esse período ela também fundou o Englishwomans Journal (Em tradução livre, A Revista das Mulheres Inglesas). Em 1859 Jessie Boucheret, vivendo em Lincolnshire, foi introduzida às ideias do feminismo individualista através de uma troca de contatos com o Englishwomans Journal e a leitura do artigo de Harriet Martineau mencionado anteriormente. Ao chegar em Londres ela, juntamente com Helen Blackburn e Emily Davies, duas outras recém-chegadas na metrópole, encontraram-se com Bodichon e tornaram-se envolvidas com o Englishwoman Journal. No mesmo ano todas as quatro, juntamente com Adelaide Anne Proctor e Emily Faithfull, fundaram a Society For Promoting the Employment of Women. Em 1866 o Englishwoman Journal foi relançado como Englishwoman Review, e no mesmo ano o National Womens Suffrage Committee (Em tradução livre, Comitê Nacional pelo Voto Feminino) foi fundado para coordenar a campanha pelo voto. Isso viu a chegada de Lydia Becker no cenário nacional. A partir deste momento movimento de verdade surgiu  em torno de uma rede de cooperação e amizade pessoal e organizacional.

As figuras líderes desse movimento, embora todas preocupadas com todas as atividades do movimento, tenderam a se especializar cada uma em uma área de interesse. Então Emily Davies, Sophie Bryant, Emily Shirreff e Maria Grey se concentraram na questão da educação das mulheres, enquanto Helen Blackburn, Milicent Fawcett e Lydia Becker foram todas ativas na campanha pelo voto. Barbara Bodichon e Jessie Boucheret foram identificadas principalmente com a questão do emprego feminino. Emily Faithfull era a força organizacional. Em 1860 ela se encontrou com a editora The Victoria Press que posteriormente imprimiu o jornal Englishwoman Review como também vários outros jornais e, em 1861, The Victoria Regia, uma coleção de artigos de várias autoras. Ela também preparou uma série de organizações práticas, incluindo o Victoria Discussion Society, um grupo de discussão inteiramente feminino, concentrado nas questões das mulheres. Atrás dessa divisão de trabalho, entretanto, as principais figuras se ajudaram e compartilharam vários interesses, preocupações e crenças. Houve claramente um movimento no sentido de um grupo autoconsciente lutando em vários frontes em direção a vários objetivos compartilhados, em uma série de organizações complementares.

III. Algumas Publicações

O movimento foi bastante ativo e produtivo em temos literários. Além de publicar livros cobrindo uma ampla variedade de assuntos, elas contribuíram com um fluxo de artigos aos muitos jornais periódicos da época, incluindo o Contemporary Review, Quartely Review, Macmillans Magazine e o Edinburgh Review. Não menos significativo foram as várias atividades e organizações de auto-ajuda que elas estabeleceram. Toda essa atividade intelectual e prática pode ser aproximadamente agrupada e classificada em temas maiores.

IV. A Questão do Sufrágio

 Essa questão era lutada com praticamente todos os métodos que grupos de pressão usam, tais como petições, encontros, panfletagem e apresentação de Leis ao Parlamento. Vale a pena comentar os argumentos usados, porque eles geralmente são omitidos e revelam muito sobre a filosofia do movimento. Primeiramente, foi argumentado que assumir que os interesses das mulheres eram subordinados aos de seu marido ou de seu pai era negar sua completa individualidade e violar sua soberania individual pessoal. Em um sentido muito real, ela foi escravizada, assim como era em lei; submetida à uma regra e autoridade de que ela não havia consentido como um indivíduo soberano. Em segundo lugar, elas argumentaram que negar o voto às mulheres era equivalente a afirmar que elas não valiam o mesmo que os homens. O contra-argumento clássico de “esferas separadas” (privado e doméstico das mulheres, público e político para os homens) era fortemente refutado.

V. A Questão do Emprego Feminino

Essa era uma questão vital para a maioria das feministas. As atividades nessa área foram de vários tipos. Houve oposição vigorosa a todas as restrições legislativas ao emprego das mulheres, especialmente o The Factory Acts. Elas argumentavam contra as atitudes e crenças que restringiam o emprego feminino, especialmente as ideias gêmeas de domesticidade e feminilidade impotente e irresponsável. Houve campanhas para a livre entrada das mulheres em várias profissões e empregos, incluindo medicina e direito. Em termos práticos, The Society For Promoting The Employment Of Women variava de uma gama de atividades de auto-ajuda para as mulheres, fornecendo treinamento, serviços de busca e informação de empregos. As feministas libertárias viam o trabalho produtivo como essencial para o crescimento de uma identidade completa, independente e auto-dirigida para as mulheres. Isso nem sempre significava que elas apoiavam padrões existentes de trabalho; várias delas, notavelmente Jessie Boucheret e Helen Blackburn, compartilhavam a hostilidade geral dos libertários do fim do século 19 ao trabalho assalariado. Em 1889 Blackburn e Boucheret, então as principais membros da Liberty And Property Defence League, formaram o The Freedom Of Labour Defence League, que argumentava, entre outras coisas, por um movimento em direção a um sistema de trabalhadores independentes.

VI. A Questão Educacional

Aqui, bem como a luta contra as restrições legais e o preconceito, ativistas como Emily Davies e as irmãs Shirreff, Emily e Maria, foram responsáveis pela criação de instituições como o Girton College, o Womens’ Educational Union e o North London Collegiate School. Organizações de auto-ajuda eram, novamente, de grande importância. A educação era vista como particularmente importante, porque a prática existente de educação de meninas refletia e sustentava a ideia dominante de feminilidade impotente, e portanto impedia e restringia o desenvolvimento pessoal das mulheres como indivíduos.

VII. Os Contagious Diseases Acts

Esse era essencialmente um sistema de licenciamento de prostitutas, surgido da preocupação pela eficiência de combate das forças armadas. A lei dava amplos poderes a polícia para prender qualquer mulher encontrada sozinha em local público e força-la a um exame médico íntimo; resistir era considerado uma ofensa criminal. Claramente, isso significava uma violação extraordinária da liberdade individual das mulheres, e insustentável em uma sociedade civilizada.

VIII. Os Married Womens’ Property Acts

A restrição mais fundamental às liberdades das mulheres eram as leis que negavam às mulheres casadas todos os direitos de ter propriedade, delegando legalmente toda a propriedade no casamento ao marido. Mesmo seus ganhos durante o casamento eram propriedade do marido. Essas leis eram baseadas na ideia de que o marido e a esposa eram a mesma pessoa, uma negação completa da autonomia individual da esposa. Enquanto os ricos eram capazes de proteger a propriedade de suas filhas de maridos perdulários com fundos fiduciários, esses estratagemas legais não estavam disponíveis para as mulheres de classe média e trabalhadora, e não eram capazes de proteger o que ganhavam durante o casamento mas sim protegiam o capital já acumulado. Era claramente um abuso espantoso de qualquer conceito de igualdade natural um marido perdulário poder, legalmente, gastar todo o dinheiro da esposa e deixá-la sem nada. A ausência de direitos de propriedade para as mulheres casadas as tornaram moedas em termos econômicos e sociais, inteiramente subservientes ao desejo de seus maridos.

Atualmente isso pode ser visto como óbvio, algo que não é necessário delinear em tal extensão, mas é importante salientar que a preocupação das feministas do século 19 com o estabelecimento dos direitos de propriedade para as mulheres surgiu de sua visão libertária de direitos individuais como necessariamente dependentes da existência de direitos de propriedade. Vale a pena notar, apenas de passagem, que as únicas sobrevivenetes da doutrina arcaica que o marido e mulher são legalmente uma só pessoa são as práticas da Receita Federal e as regulações do DHSS (N.R: Uma espécie de INSS britânico).

IX. Outros Envolvimentos

Muitas das principais figuras feministas foram ativas em várias controvérsias políticas, trazendo-as um input feminista distinto. Sophie Bryant foi uma defensora importante da Irish Home Rule (N.R: Campanha de independência irlandesa), seu mais importante trabalho foi o póstumo Liberty, Order And Law Under Native Irish Rule (1923), a descrição clássica do sistema de Brehon Law (N.R.: Sistema legal sem estado que existiu na Irlanda), o mais marcante exemplo europeu de um sistema legal dirigido sem o patrocínio ou suporte do estado.

Jessie Boucheret e Helen Blackburn foram membros fundadoras da Liberty And Property Defence League. Outra membro do movimento, Elizabeth Ellis, foi ativa na Legitimation League, uma organização estabelecida pela líder libertária Wordsworth Donisthorpe para buscar a abolição da ilegitimidade e a revogação das leis de casamento, em favor de contratos de casamento voluntários.

X. O Caráter Ideológico do Feminismo Libertário

De todas essas campanhas e artigos, podemos claramente distinguir as ideias principais e a filosofia do movimento, um individualismo consistente e radical. Sua crença fundamental, assim como todas as formas de feminismo, era a igualdade básica e natural de valor entre homens e mulheres. Isso pode não parecer excepcional, mas na verdade é profundamente subversivo em suas aplicações para a maioria das instituições sociais. Na maioria das sociedades históricas, as mulheres não são vistas como pessoas completas por seu próprio mérito. Uma mulher é a filha de alguém, a mulher de algum homem, a mãe de algum homem; raramente é um indivíduo por si só.

O que as feministas libertárias fizeram foi levar as ideias liberais clássicas sobre a natureza do ser à sua conclusão lógica e subversiva. Com a exceção óbvia e notável de John Stuart Mill, a maioria dos filósofos liberais falhou em fazer isso, com o resultado que seus argumentos foram, em aspectos cruciais, defeituosos. No argumento liberal, cada ser humano é uma pessoa distinta com sua própria identidade única e particular. A identidade real ou individualidade do indivíduo é de fato social, na medida que é formada na e pela interação em sociedade com outros seres, mas é, em última análise, autodeterminada. As particularidades da pessoa humana são a vontade ou desejo, o intelecto e o julgamento. O exercício dessas características gera escolhas, e é o processo de escolha que é crucial na formação da identidade do indivíduo. Se a escolha é impedida ou torna-se impossível, então o ser não pode se desenvolver completamente. O principal objetivo da existência social é, portanto, a autorrealização, que apenas pode ser alcançada se o indivíduo for livre e autônomo. Limites na autonomia de grupos particulares ou pessoas não apenas restringem sua liberdade diretamente; elas também restringem a liberdade completa de outros, porque as interações sociais e as escolhas possíveis são, portanto, limitadas. Então Mill argumentou que a opressão das mulheres, enquanto diretamente as prejudicava, indiretamente prejudicava os homens. Nessa forma de pensar, cada ser é de igual valor para todos os outros, na medida que todos compartilham as mesmas qualidades básicas da vontade, do intelecto e do julgamento, e possuem certos direitos que são comuns a todos os seres humanos, sejam reconhecidos ou não. Quando no curso da interação humana esses direitos dos indivíduos e desejos colidem, um mecanismo é necessário para garantir que os direitos de um não infrinjam os direitos de outros; no pensamento liberal isso é fornecido por leis que, para ter esse efeito, devem ser neutras entre indivíduos e grupos diferentes. Qualquer restrição da ação individual deve ser aplicada a todos, igualmente.

As feministas do século 19 foram capazes, antecipadamente, de demonstrar que esse argumento implicava que as mulheres deveriam ter igualdade de direitos e responsabilidades com os homens; e além, que para as relações entre homens e mulheres particulares obedecessem a esses princípios, deveria haver uma igualdade de escolha e ação entre os dois. O único argumento consistente que poderia ser colocado contra as mulheres era que elas não eram, de fato, pessoas completas porque faltava-lhes desejo, julgamento e a capacidade de fazer escolhas livres. Nesse argumento (que era usado frequentemente), sua personalidade era inevitavelmente incompleta quando comparada com a dos homens; portanto elas não podiam ter os mesmos direitos ou liberdades. Por isso o argumento repetido de que as mulheres eram semelhantes às crianças, e a importância de argumentos quanto à sua capacidade de experimentar desejo, especialmente desejo sexual.

De sua posição de individualismo filosófico, as feministas libertárias eram capazes de chegar a conclusões quanto ao tipo de ordem social e política em que as mulheres deviam viver se fossem capazes de ser verdadeiramente livres e autônomas. Teria que ser uma em que houvesse a máxima liberdade possível de escolha e autodeterminação. Teria de ser uma consistindo de indivíduos livres associando-se em contratos consentidos livremente e igualmente, ao invés de relações de status, subordinação e poder. Tudo isso implicava na máxima contração possível do papel do estado, e um sistema econômico baseado na liberdade completa de contrato. Também pode ser dito que implica na ausência de disparidades de riqueza no mercado; várias das pessoas no movimento de fato tiveram essa visão, mais notavelmente Frances Power Cobbe e Helen Taylor, a filha de Harriet Taylor. Porém, isso não as levou a uma defesa de um papel ativo para o estado; ao invés disso, elas argumentaram que as disparidades de riqueza refletiam o uso do poder pelos ricos e seria minimizado em uma economia de livre mercado.

XI. Crítica à Sociedade

Esse objetivo levou a uma visão crítica e polêmica da verdadeira posição das mulheres na Grã-Bretanha do século 19. Em suas obras, na The Englishwoman Review e outras, as feministas eram bastante claras de que as mulheres eram oprimidas, significando que sua autonomia e liberdade como indivíduos eram limitadas porque elas eram mulheres. Elas eram oprimidas politicamente pela negação ao voto e ao direito de se representar em certos cargos do estado. Seus direitos eram negados por leis, particularmente as leis governando a propriedade das mulheres casadas. As feministas também argumentavam que as leis e o poder do estado estavam sendo usados pelos homens para proteger sua própria posição privilegiada.

Isso era especialmente verdade em relação a regulações econômicas tais como as Factory Acts, vistas como uma tentativa dos homens de usar a regulação econômica para se proteger da competição feminina.

Talvez o mais importante foi a forma que elas viam as mulheres, como estando restringidas por estruturas sociais mais gerais e padrões de relações pessoais, especialmente as familiares. Isso cobria o que atualmente seria chamado de “gênero”, mas na época era usualmente chamado de “expectativas”, isto é, papéis sexuais e a noção de feminilidade, assim como os padrões de organização de trabalho e a limitação de expressão ou estilo de vida. Em outras palavras, o problema não era apenas o óbvio, de leis repressivas,  mas também o mais sutil de relações de poder escondidas ou disfarçadas.

XII. Teoria Histórica

Algumas das feministas libertárias, particularmente Helen Blackburn, também produziram um esboço de uma teoria histórica sobre a posição das mulheres. De acordo com esse esboço, as mulheres não estavam igualmente sem liberdade em todos os momentos e lugares, ou sempre restringidas da mesma forma. As variáveis cruciais eram o papel e grau do mercado e a natureza e grau dos direitos de propriedade. Blackburn e outras adaptaram a ideia de Herbert Spencer de uma distinção entre sociedade “militar” e “comercial”, e a noção de Henry Maine de um movimento de status para um de contrato.

Na sociedade “militar”, as relações de poder eram dominantes e o relacionamento normal entre dois seres humanos era de status, em que as duas partes não eram consideradas pertencendo à mesma espécie. À medida que a sociedade tornou-se permeada pelo mercado, então houve um movimento para um padrão mais livre de relações voluntárias, baseado no contrato. Esse padrão apenas poderia ser pleno se direitos de propriedade fossem totalmente aplicados para homens e mulheres. Quanto mais comercial e contratual uma ordem social, maior é a posição da mulher.

Blackburn argumentou que na Inglaterra Anglo-Saxã as mulheres tinham desfrutado direitos de propriedade plenos, que foram erodidos depois da conquista normanda e a imposição da ordem social “militar” do feudalismo. À medida que a sociedade britânica tornou-se mais comercial no século 18 e no começo do século 19, então a posição das mulheres reviveu. Os homens reagiram a esse desenvolvimento criando uma ideologia conveniente, apoiada por lei, que buscava excluir as mulheres desse processo de desenvolvimento social. Perto do fim do movimento, Blackburn e outras, como Boucheret, viam essa ideologia como a primeira parte de uma tentativa geral de reverter o surgimento da sociedade comercial e a reverter a uma ordem social “militar”.

XIII. Propostas Práticas

As obras do movimento continham uma riqueza de propostas práticas, programas para ação, incluindo mudanças políticas, com o sufrágio sendo o elemento principal, a abolição de uma gama inteira de leis restritivas e regulações, e a defesa de mudanças que tornariam possível para todas as mulheres serem capazes de trabalhar como escolhessem e possuir propriedade. Como meios para esses fins, elas defenderam uma economia e sociedade completamente livres, com o maior escopo possível para a ação pessoal, a responsabilidade individual e a autorrealização.

Entretanto, como muitos dos artigos, livros e panfletos demonstram, essas mudanças não eram suficientes, embora necessárias. Deveria haver mudanças também culturais, gerando mudanças nas relações pessoais e familiares. Isso não era frequentemente explicitado em detalhes por causa do risco de alienar opiniões moderadas, mas à medida que o tempo passou, tornou-se mais ousado. O defensor mais proeminente de mudanças na organização familiar e na lei de casamento foi Wordsworth Donisthorpe, que argumentou, em vários trabalhos, pela abolição completa das leis de casamento em favor de acordos privados entre as partes envolvidas.

Por último, mas não menos importante, as feministas argumentavam em defesa da auto-ajuda feminina através da criação de uma rede inteira de instituições, escolas e grupos de discussão para mulheres, a sociedades, cooperativas e empreendimentos amigáveis a mulheres. De fato, várias atividades da Society For The Promotion of the Employment of Women e o English Woman’s Review eram de auto-ajuda precisamente desse tipo. Pretendia-se ajudar o processo de autodescoberta entre as mulheres, dando-lhes experiência e responsabilidade. Em termos práticos, elas iriam adquirir habilidades e autoconfiança, sem suas organizações serem tomadas por homens.

XIV. Historiografia do Feminismo Libertário

Qual é o tratamento dado a essas mulheres pelos historiadores? Até bem recentemente, a maioria tinha simplesmente as ignorado de uma forma escandalosa. Livros completos foram escritos sobre os anos 1830 e 1840 e ideias liberais, que raramente mencionam Harriet Martineau, apesar de seu papel central no debate político naqueles anos e a disseminação de ideias liberais. Histórias gerais sobre a vida social e o pensamento dessa época conseguem omitir e nem mesmo mencionar figuras importantes como Barbara Bodichon ou Millicent Garret Fawcett. Ainda pior é a linha paternalista que é realizada em trabalhos antigos, geralmente semelhante a “nossa senhora, como ela é esforçada”.

Em anos mais recentes, a história das mulheres tem crescido em uma taxa verdadeiramente explosiva com uma onda constante de livros de artigos. Várias das principais figuras no movimento feminista libertário atualmente têm sido o assunto de biografias acadêmicas enquanto trabalhos antigos, tais como o de Ray Strachey The Cause, estão sendo publicados novamente. Entretanto, a cobertura ainda é inadequada – ainda não há uma descrição compreensiva da vida de Lydia Becker ou Helen Blackburn, por exemplo.

Mais seriamente, o trabalho que tem sido feito deturpa a maioria das feministas do século 19 de uma forma fundamental. Os elementos que são “progressistas”  têm destaque, enquanto os supostamente reacionários, tais como a defesa do laissez faire, são minimizados ou ignorados. Até pior, sua defesa dos princípios de mercado são às vezes explicados como uma consequência infeliz do background da classe das feministas, e portanto não uma parte central ou importante de suas crenças.

A conexão íntima e fundamental entre as ideias radicais feministas sobre liberdade pessoal e caráter feminino e suas ideias “conservadoras” sobre economia não é apenas incompreendida, ela não é nem abordada.

Em histórias de campanhas específicas, a filosofia e os ideais que estão por trás da batalha são ignorados. O caso clássico disso é o de Josephine Butler e a campanha contra os Contagious Diseases Acts. Em todos os vários trabalhos que têm sido escritos sobre isso, há quase nada sobre a filosofia social e política que estavam por trás da vida de batalha de Butler, de individualismo inflexível e laissez faire. Consequentemente, o fim e propósito da campanha geralmente são mal entendidos.

XV. Um Erro Metodológico

O último problema aqui é sobre metodologia e as suposições incorretas sobre a natureza e o espaço de filosofias políticas. Assume-se como certo que a defesa de uma sociedade de mercado é “de direita” ou conservadora. Descobrir um grupo de pessoas desenvolvendo ideias radicais sobre o status das mulheres com base em tal filosofia “de direita” causa confusão.

Além disso, a metodologia dominante na maioria da história das ideias é imperfeita. Um modelo da tradição “whig” é usado, onde as ideias movem-se com o passar do tempo de começos moderados a uma conclusão mais radical; assume-se que o único movimento próprio e progressista de ideias é em direção ao socialismo. Por analogia, essa teoria vê o desenvolvimento de ideias como sendo um processo de destilação ou refinamento pelo qual elementos “reacionários” são vagarosamente retirados, sobrando o destilado puro do radicalismo socialista. Ideologias e sistemas de pensamento não se desenvolvem dessa forma, e não podem ser abstraídos das pessoas e das relações envolvidas em sua formação. O que importa é a continuidade de uma tradição de pensamento transmitida através do contato pessoal, e, bem frequentemente, um gênero particular de teoria e obra política. O quadro implícito na abordagem de “destilação” de um feminismo libertário gerando um feminismo socialista é, simplesmente, historicamente errado. Ao longo do século 19, houve dois movimentos feministas paralelos, o dominante sendo individualista, e o outro largamente socialista, contendo figuras como Margaret Macdonald, Clementina Black, Fanny Wright e Anna Wheeler.

XVI. O que aconteceu?

O que aconteceu ao movimento feminista libertário? De forma resumida, entre 1900 e 1920 ele simplesmente se esfacelou. Houve várias razões para isso; esgotamento depois da violenta campanha pelo voto feminino depois da Primeira Guerra Mundial; o declínio geral do liberalismo clássico naquele tempo; e o grande declínio em todas as formas de ativismo feminista depois de 1918, depois do sufrágio ter sido alcançado. As duas principais razões foram provavelmente o colapso geral de todas as formas de ação voluntária durante os anos de 1920, coisa que as feministas socialistas eram capazes de enfrentar melhor, por causa da atividade contínua do movimento trabalhista, e o rompimento da rede de contatos e amizades que tinham formado o coração do movimento.

XVII. Conclusões

Quais conclusões gerais podem ser feitas? Principalmente, que longe de ser incompatível ou contrário, o liberalismo e o individualismo devem liderar a posição feminista e a crítica de boa parte da sociedade contemporânea. A teoria política e social do libertarianismo fornece um modelo de sociedade livre e uma descrição da liberação pessoal. Mais significativo é a força fornecida pela perspectiva feminista do libertarianismo em geral. A análise feminista salienta a natureza generalizada e difundida das relações de poder na sociedade, como por exemplo em muitos casamentos, e a necessidade de uma política cultural que vise questões além das estritamente econômicas. Muito do feminismo contemporâneo tem implicações libertárias em suas preocupações com tais questões, como a autopropriedade e a autorrealização, a natureza e localização de poder e a necessidade primordial de autonomia pessoal. O debate entre feminismo e libertarianismo é sobre meios, não fins; a questão é tão longe devemos, se é que devemos, usar o estado como um instrumento de liberação. A conexão do feminismo ao socialismo pode aparecer inevitável; a história tem mostrado que esse não é o caso.

Uma bibliografia selecionada 
  • R. Strachey, The Cause (1928), Virago, London, 1978. Um pouco ultrapassado mas baseado no conhecimento pessoal do autor e ainda vale a leitura.
  • J. Kamm, Rapiers and Battleaxes, Allen & Unwin, London, 1966.
  • J. Rendall, The Origins of Modern Feminism, Macmillan, London, 1985.
  • D. Rubinstein, Before the Suffragettes, Harvester Press, Brighton, 1986.
  • D. Spender, Women of Ideas – And What Men Have Done To Them, Routledge & Kegan Paul, London, 1982.

Uma pesquisa de todas as fontes e trabalhos secundários disponíveis em uma ampla variedade de tópicos e muitos indivíduos. Muito bom:

  • M. Barrow, Women, 1870-1928, Mansell, London, 1981.

Os dois livros abaixo são ambos coleções de artigos. Particularmente boas são as biografias críticas por Barbara Kanner:

  • M. Vicinus, Suffer and Be Still, Methuen, London, 1980.
  • M. Vicinus, A Widening Sphere, Methuen, London, 1980.
  • B. Kanner, The Women of England: Interpretative Bibliographical Essays, Mansell, London, 1980.

Coleção de ensaios feministas libertários, tanto históricos e contemporâneos editados por uma líder feminista libertária americana:

  • Wendy McElroy, Freedom, Feminism and the State, Cato Institute, Washington, D.C., 1982.

A biografia mais recente e de longe a melhor:

  • S. R. Herstein, A Mid-Victorian Feminist: Barbara Leigh-Smith Bodichon, Yale University Press, London, 1985.
  • John Charvet, Feminism, Dent/Everyman, London, 1982.
  • J. R. Richards, The Sceptical Feminist, Routledge & Kegan Paul, London, 1980.
  • J. Uglow, ed., The Macmillan Dictionary of Womens’ Biography, Macmillan, London, 1982.
  • C. Bauer & L. Ritt, Free and Ennobled: Source Readings in the Development of Victorian Feminism, Pergamon, London, 1979

Contém um relato útil das visões de Josephine Butler:

  • Chris R. Tame, Prostitution, the Free Market and Libertarianism, Libertarian Alliance/Association of Libertarian Feminists, London, 1986.

Poucos textos clássicos de feminismo individualista estão atualmente disponíveis. Esses também estão em edições baratas incluindo os seguintes:

  • Mary Wolstonecraft, Vindication of the Rights of Women, Penguin and Dent/Everymans editions.
  • John Stuart Mill, On the Subjection of Women, Dent/Everymans edition.
  • Harriet Martineau, Autobiography, 2 volume Virago edition.

Alguns comentários sobre o artigo de Stephen Davies

por Johanna Faust

As feministas do século 19 salientaram a necessidade – na época – de todos os tipos de instituições e grupos de mulheres separados dos homens. Eu acredito que é de vital importância distinguir entre sua preocupação prática em fornecer às mulheres alguma experiência de conduzir as coisas por conta própria, no clima social da época, quando as mulheres raramente teriam de outra forma a oportunidade de ganhar qualquer experiência prática de responsabilidade, e as atitudes fanáticas e absurdas mostradas por muitas feministas coletivistas e separatistas contemporâneas, que pedem pela exclusão dos homens das discussões feministas. No extremo, essas feministas parecem querer uma utopia exclusivamente feminina, apresentando, por exemplo, parto artificial, “unidades sociais” lésbicas em substituição à odiada família, retratada em termos hostis como nada mais que um instrumento de dominação masculina e algo horrível.

As feministas do século 19 se confrontavam com um perigo real de suas associações nascentes serem inundadas por homens, mesmo porque muitos mais homens do que mulheres tinham independência real, que lhes permitam participar ativamente na política. Minha crença pessoal, que vale a pena salientar, é que esse perigo é muito mais remoto atualmente do que era na época; atualmente não há nenhuma distinção real entre a educação disponível para os homens e mulheres, e praticamente todos os empregos e profissões estão disponíveis para as mulheres. O temor das feministas do século 19 da dominância masculina era uma reação justificada, mas temporária à sua condição histórica particular.

Em parênteses, devo dizer que a visão libertária das relações homossexuais – e paternalidade homossexual – não é de forma alguma hostil; tais questões são inteiramente uma questão de escolha individual, como uma consequência direta do princípio libertário fundamental que todos devem ter o máximo de liberdade pessoal, sujeita apenas à prevenção de danos aos outros. Nossa crítica às feministas separatistas é que é uma resposta coletiva, vendo erroneamente os direitos das mulheres como coletivamente definidos – e elas raramente explicam o que supostamente deve acontecer a todos os homens, na realização de todas as suas utopias exclusivamente femininas. Eles poderão viver seus últimos dias em reservas ou serão conduzidos a campos de extermínio? Steve Davies toca na questão de onde o poder realmente reside na sociedade – dificilmente precisa dizer que o poder, econômico, social e político, na sociedade do século XIX era quase completamente uma exclusividade masculina.

Os libertários acreditam que o poder na sociedade (ao menos, em uma sociedade livre) é, por natureza, diverso e difundido, e que existe em uma multiplicidade de formas. Indivíduos derivam poder econômico de rendimentos (capital representa rendimentos acumulados), e poder político da participação no processo político, por grupos de pressão e assim por diante.

Para fazer o mesmo argumento histórico novamente, em uma forma diferente, as mulheres estão cada vez mais desenvolvendo suas próprias fontes de poder – econômico, social e político – além do papel tradicional. Como o “poder na sociedade” é diverso, segue que não há uma localização específica onde ele é encontrado. Há poderes, não o poder, na sociedade, À medida que as mulheres exercem mais e diferentes papéis públicos, acredito que grandes áreas da sociedade tornam-se cada vez menos “dominadas por homens” à medida que o tempo passa – e isso é mais devido às forças de mercado que ao intervencionismo estatal.

Notas

[1] Pauline Willis, “Bulletin” (Womens Page), The Guardian, 25 August, 1986.

[2] Judith R. Walkowitz, Prostitution and Victorian Society: Women, Class and the State, Cambridge University Press, 1980, p.146. E nem todos os historiadores convencionais têm ignorado ou incompreendido a natureza radicalmente individualista do feminismo do século 19. Paul McHugh dá uma abordagem perspicaz do individualismo de Josephine Butler e a campanha contra os Contagious Diseases Acts em seu livro Prostitution and Victorian Social Reform, Croom Helm, London, 1980.

[3] Juliet Mitchell and Ann Oakley, The Rights and Wrongs of Women, Penguin Books, Harmondsworth, Middlesex, 1976.

[4] “Introduction”, Ibid., p. 8.

[5] Margaret Walters, “The Rights and Wrongs of Women: Mary Wollstonecraft, Harriet Martineau, Simone de Beauvoir”, Ibid., p. 304.

[6] Juliet Mitchell, “Women and Equality”, Ibid., p. 387 .

[7] Ibid., pp. 384, 381.

[8] Ibid., p. 381.

[9] Dora Marsden foi presa por suas atividades militantes de sufragista. Ela fundou várias publicações libertárias, o Freewoman (1912), The New Freewoman (1913), e The Egoist (1914-1919). Entre 1912 e 1914, ela foi influenciada pela versão de anarquismo individualista de Max Stirner. Ela psoteriormente abandonou o libertarianismo e morreu em 1960. Alguns trechos de seus escritos podem ser encontrados em Minus One (London), No. 33, 1974.

[10] Robertson foi um personagem importante porém negligenciado no liberalismo do fim do século 19 e século 20. Para uma descrição de suas visões sobre os direitos das mulheres veja a seção “Individualism Versus Collectivism”, em Chris R. Tame, “J. M. Robertson: Critical Liberal”, em G. A. Wells. ed., J. M. Robertson (1856-1933): Liberal, Rationalist, and Scholar, Pemberton Press, London, forthcoming (1987).

[11] Concerning Women (1926), Arno Press, New York, 1972.

[12] Veja Elizabeth Ditz, “Suzanne La Follette and Feminism’s Roots”, New York Tribune, June 27, 1983, e Susan J. Turner, A History of ‘The Freeman’, Literary Landmark of the Early Twenties, Columbia University Press, New York, 1963, pp. 38-39. Sobre o feminismo libertário americano em geral, veja Wendy McElroy, “Introduction: The Roots of Indidividualist Feminism in 19th-Century America” em seu livro Freedom, Feminism, and the State, Cato Institute, Washington, D.C., 1982, uma antologia útil de material tanto histórico e contemporâneo.

[13] John Chamberlain, A Life With the Printed Word, Regnery Gateway, Chicago, 1987, p. 136.

[14] As últimas edições de seus trabalhos são os seguintes: Rose Wilder Lane, The Discovery of Freedom, Arno Press/New York Times, New York, 1972; também vale a pena consultar Roger Lea MacBride, The Lady and the Tycoon, Caxton Printers, Caldwell, Idaho, 1973; Isabel Paterson, The God and the Machine, Caxton Printers, Caldwell, Idaho, 1964. Sobre os relacionamentos entre Lane, Paterson e Rand veja Barbara Branden, The Passion of Ayn Rand, Doubleday, New York, 1986, passim. Rand nunca se referiu como “feminista”, assim como não se chamava de “ateísta”. Ambas posições eram simplesmente as consequências inevitáveis do pensamento racional. A visão que as mulheres possuem uma natureza fundamentalmente diferente dos homens ou que elas deveriam se sacrificar para o bem dos homens, da sociedade ou do estado, eram simplesmente variações do mal fundamental do coletivismo, socialismo e irracionalismo. A “mistique feminina”, como a colega de Rand, Edith Efron, chamou, era apenas outra dessas doutrinas “que negam a mente, independência e individualidade” (Veja Edith Efron, Review of “The Feminine Mystique”, The Objectivist Newsletter, Vol. 2. No. 7, July 1963, p. 27). Rand calorosamente recebeu provavelmente o primeiro grande trabalho do renascimento feminista pós-guerra, o livro de Betty Freidan, The Feminine Mystique, quando apareceu em 1963. Ela vigorosamente depois denunciou o “feminismo” quando tinha se tornado uma máscara para o socialismo, a antissexualidade, o ódio aos homens e misticismo primitivista.


Sobre o autor

Stephen Davies

Stephen Davies é diretor do setor educacional do Instute of Economic Affairs. Graduou-se na Universidade de St Andrews, na Escócia, em 1976, e ganhou seu doutorado pela mesma instituição em 1984. E autor de vários livros, incluindo Empiricism and History (Palgrave Macmillan, 2003) e foi co-editor com Nigel Ashford do Nigel Ashford of The Dictionary of Conservative and Libertarian Thought (Routledge, 1991).



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