Quando esquerdistas distorcem Bastiat
Matt Yglesias, do site Slate.com, fornece o último exemplo do “esquerdismo vulgar”
É sempre bom ver Frédéric Bastiat sendo discutido fora dos ambientes libertários, porque mesmo quando ele tem suas ideias distorcidas, a mera menção ao seu nome poderia fazer os leitores mais curiosos a checarem por si mesmos o que é verdade ou não. Não faria mal a ninguém!
Então, obrigado, Matthew Yglesias, que escreveu semana passada no Slate:
A suposta falácia da janela quebrada envolve simplesmente assumir que não existe algo como recursos genuinamente inativos ou um ‘hiato de produtos’. Naquele contexto, sim, é uma representação intuitiva ressonante do crowding out. Mas isso não contraria os argumentos keynesianos e monetaristas sobre a viabilidade de estímulos durante uma recessão induzidos por choques nominais, puramente envolve assumir que tais recessões não podem ocorrem mesmo quando elas claramente ocorrem. Em defesa de Bastiat, na época em que ele estava escrevendo o ciclo de negócios industriais moderno era uma coisa nova e a vasta maioria dos altos e baixos da economia eram causados por coisas como o mau tempo, que – como você pode ver no mercado de milho hoje – é decisivo para a economia agrícola. Mas isso não é desculpa para que as pessoas em 2012 não façam nada e fiquem batendo na mesa com um livro velho que não responde às questões atuais, professando estarem frustradas por que outras pessoas não o considerarem ainda persuasivo.
Yglesias afirma que Bastiat somente propôs certas premissas sobre a operação dos mercados, mas Yglesias não demonstrou como isso seria o caso – e não poderia. Bastiat não estava familiarizado com J. B. Say? Lord Keynes e seus seguidores podem pensar que ele refutou a Lei de Say, no entanto, efetivamente, eles tiveram que distorcer a lei primeiro. Não é que “a oferta cria sua própria demanda”, mas sim que a oferta é a demanda. Um indivíduo produz um bem ou para consumi-lo ou, normalmente, para trocá-lo por outro bem. A demanda e a oferta são dois lados da mesma, por assim dizer, moeda – o que me recorda de adicionar que a Lei de Say não vale somente numa economia de escambo, mas também na monetária – uma economia liberta, isto é, diferente do estado corporativo em que vivemos atualmente.
Estrutura Temporal
Verdade, alguém pode vender um bem e não gastar o dinheiro recebido. Mas isso levaria à ociosidade somente se a economia não consistisse numa estrutura temporal de produção coordenada pelas taxas de juros. Em outras palavras, o dinheiro não gasto é poupado e está disponível para investimento (isto é, pagamentos por bens e mão de obra, os quais serão gastos em bens de consumo) em estágios distantes do estágio de bens de consumo; quer dizer, investimento de longo prazo na produção para o consumo futuro. (Como o macroeconomista da Escola Austríaca Roger Garrison diz, as pessoas economizam para alguma coisa).
Dada a nossa demanda insaciável por bens, em um mercado liberto, um excesso de bens não poderia acontecer; se os preços forem livres para flutuar em resposta à mudança de condições ou erros empresariais, o preço do bem em excesso relativo à demanda cairia, enquanto o preço do bem escasso relativo à demanda aumentaria. Os empresários, então, ajustariam seus planos, mas como a mudança é a regra, o mercado nunca chegaria a um estado de repouso. A Lei de Say diz respeito a um processo (livre) no decorrer do tempo, não um equilíbrio geral.
Yglesias pode realmente estar falando sério quando escreve que a posição de Bastiat “envolve a suposição de que nenhuma recessão pode ocorrer mesmo que elas claramente ocorram”? É Yglesias quem assume o que deve ser provado: a saber, que o ciclo econômico é uma característica natural do livre mercado, ao invés de uma consequência da intromissão corporativista do governo sobre a moeda, o sistema bancário e as taxas de juros.
Esquerdismo vulgar
Yglesias fornece o último exemplo do que Kevin Carson chamaria de “esquerdismo vulgar”. Essa é a atribuição dos males do corporativismo – poder das grandes empresas, recessões, desemprego estrutural de longo prazo, exploração da mão-de-obra, e mais – à sua antítese, o livre mercado. Os keynesianos olham para o lado, veem o desemprego e recursos ociosos, e concluem (frequentemente encorajados por libertários) que dado que o “livre mercado” permite que isso ocorra e não parece estar fazendo nada para resolver a situação, o estímulo governamental é apropriado.
É como entrar no cinema com o filme na metade, achando que você entende o enredo. Existem certamente trabalho e recursos ociosos atualmente. Mas aquela mera observação não diz nada sobre o porquê eles estão ociosos. Ludwig von Mises e F. A. Hayek, amparados pelos analistas do corporativismo, proveram uma explicação. Críticos são bem vindos para refutar, mas eles não deveriam fingir que isso não existe.
Ciclos Econômicos
Como o economista austríaco explica, as políticas inflacionárias do banco central, que artificialmente diminuem o valor da taxa de juros, encorajam as atividades produtivas de longo prazo que não teriam sido viáveis economicamente de outra forma, dado o nível real de poupança. Quando o boom termina, o mal investimento de trabalho e recursos é revelado. Mão de obra, equipamento e terra que foram direcionados à produção, inconsistentemente com a real demanda do consumidor, devem ser agora rearranjados. Deve-se permitir que a economia “deformada” assuma uma estrutura mais apropriada. Mas isso exige risco empresarial, tempo e dinheiro (poupança).
Se uma correção deve ocorrer rapidamente e com o mínimo de sofrimento, o governo tem que sair do caminho. Em particular, ele não deve manter as taxas de juros artificialmente baixas (desencorajando a poupança) ou criar um clima de incerteza sobre os futuros regimes tributário e regulatório. O mundo já é incerto o suficiente; enquanto o governo aumentar a incerteza em relação à regulação e à tributação, os investidores serão encorajados a manter a cautela e não se comprometer com grandes empreendimentos novos. Isso evita o esforço necessário para alinhar o trabalho e os recursos de acordo com o que os consumidores querem (ou vão querer, no futuro).
Os gastos governamentais podem estimular o uso de recursos ociosos, mas isso não é o suficiente. Não queremos um uso qualquer dos recursos – eles são escassos, afinal. Nós queremos usos que os consumidores aprovariam. Os políticos, cujas decisões não passam por nenhum teste de mercado, são inconsequentes.
Assim, contrário a Yglesias, quando um fã de Bastiat se depara com “a falácia da janela quebrada” nos “estímulos” governamentais, ela está em terreno que controla. Todo o centavo que o governo gasta – seja adquirido pela tributação ou por empréstimos – é um centavo que alguém na economia privada não gastará. Se as pessoas já não estão gastando – o que não é o caso ultimamente – nós devemos analisar intervenções governamentais anteriores que geraram aquela condição – e então repelir aquelas políticas corporativistas anti-mercado, regulações e impostos.
// Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Lucas Senra Pessoa. | Artigo Original