Um dilema para as feministas libertárias
Que o movimento libertário seja cheio de “caras” provavelmente pode ser explicado por uma série de fatores sociológicos, mas deve haver uma razão mais profunda pela qual o libertarianismo não tem muitas mulheres no movimento. Aqui eu quero abordar uma preocupação quanto ao libertarianismo que eu tenho escutado de algumas de minhas amigas feministas, a ideia de que o feminismo e o libertarianismo são estruturalmente incompatíveis. Penso que essa preocupação faz sentido em alguma extensão, mas que, pesando na balança, o libertarianismo é ainda bom para as mulheres.
A ideia é a de que o libertarianismo estruturalmente se fundamenta em um tipo de viés de status quo que favorece os homens. Como uma teoria que rejeita interferência nas escolhas voluntárias das pessoas, rejeitaria interferência com o atual sistema do patriarcado ou privilégio masculino na medida em que o atual sistema seja resultado de escolhas voluntárias. O feminismo pede o fim do patriarcado e do privilégio masculino, então os dois seriam incompatíveis.
Considere o seguinte argumento feminista contra o libertarianismo:
- Premissa 1: Libertarianismo instrui Estados e indivíduos a não interferir com as escolhas livres das pessoas.
- Premissa 2: Nós vivemos atualmente em uma cultura sexista onde padrões de livre escolha continuam a deixar as mulheres em desvantagem (por exemplo, a discriminação no emprego, o hiato salarial entre os gêneros e problemáticospadrões de socialização).
- Conclusão: Libertarianismo instrui Estados e indivíduos a não interferir com a perpetuação do sexismo.
Eu penso que esse é um bom argumento, então os libertários que estão preocupados com os interesses das mulheres (deixe que eu os chame de feministas libertários) são aparentemente confrontados com um dilema. Qual seja:
- (a) Estados e indivíduos devem interferir com as livres escolhas sexistas das pessoas (por exemplo, Estados deveriam violar liberdade de contrato e de associação para promover igual pagamento e procedimentos justos de contratação).
Ou,
- (b) Estados devem respeitar as livres escolhas das pessoas e, portanto, tolerar o sexismo.
O que uma feminista libertária bleeding heart poderia fazer? Penso que as feministas deveriam favorecer (b) sobre (a) por várias razões.
Primeiro, a igualdade de gênero não é a única coisa com a qual devemos nos importar. Enquanto o sexismo é errado, é mais errado violar as liberdades negativas das pessoas (como liberdade de associação ou contrato) do que aceitar uma sociedade que falha em prover certos benefícios (como pagamento igual) mesmo se tanto a liberdade negativa quanto tratamento igual forem requeridos como uma questão de equidade. Como John Tomasi, eu acredito que liberdades econômicas têm prioridade sobre outros objetivos públicos, então mesmo sendo a discriminação algo errado, limites à liberdade de contrato e associação são mais errados.
Segundo, o libertarianismo apenas afirmaria um status quo sexista na medida em que limites à liberdade fossem requeridos para combater o sexismo. Mas limites sobre a liberdade não são exigidos. Há uma abundância de outras maneiras para avançar os interesses das mulheres sem excessivamente violar liberdades. O libertarianismo bleeding heart não exclui políticas públicas que ajudem mulheres com família a terem sucesso no mercado de trabalho, como cuidado infantil público (em creches) em preços acessíveis, licença familiar subsidiada, cuidado de idosos, ou uma renda básica universal. Mas, mesmo se uma sociedade prover uma generosa rede de segurança social, as escolhas voluntárias das mulheres poderiam também perpetuar culturas corporativas predominantemente masculinas, porque é mais provável que mulheres favoreçam o trabalho em tempo parcial.
Mesmo libertários bleeding heart podem (e deveriam!) desencorajar o sexismo, enquanto ninguém deva ser forçado a se abster do sexismo. E é claro que os libertários nunca devem tolerar qualquer tipo de violência contra mulheres ou assédio sexual coercivo.
Terceiro, e mais importante, mesmo embora o libertarianismo estruturalmente tolere sexismo institucional de algumas formas, ele não é necessariamente mau para as mulheres quando pesado na balança. Como você deve ter adivinhado, eu penso que o libertarianismo feminista tem bastante coisa para trazer, e eu sou bastante desconfiada de qualquer política que limita direitos negativos dos cidadãos “por causa “ das mulheres, especialmente à luz da história sexista da regulação salarial.
Enquanto a legislação de contratação justa possa contribuir com os interesses das mulheres no curto-prazo, as propostas políticas que exigem das companhias que contratem ou promovam mulheres ou dêem igual pagamento também me parecem sexistas. Essas políticas requerem que funcionários públicos e empregadores tratem as mulheres diferentemente no mercado. Na revista Reason de abril, Veronique de Rugy resume como o sistema tributário, reformas de bem-estar social, política de licença maternidade, regulações do ambiente de trabalho, e a guerra às drogas, todos, desproporcionalmente, deixam os prospectos econômicos das mulheres em situação de desvantagem. Mesmo feministas deveriam estar adiante pela reforma tributária e a desregulação.
Também me preocupa que os requerimentos legais que visam corrigir problemas associados com o sexismo falhem em tratar dos problemas sistêmicos subjacentes. Por exemplo, se uma política coerciva corrige o fato de que mulheres não negociam o salário ou demandam promoções, ela poderia impedir o aprendizado das mulheres em efetivamente avançar seus próprios interesses em ambientes corporativos.
O Mercado de trabalho está mudando para incluir mais mulheres, contudo, desigualdades problemáticas persistem. Muitas intervenções governamentais, como políticas de licença maternidade obrigatórias, que são aparentemente “para o bem” das mulheres, saem pela culatra. (PDF) Mas mesmo se a intervenção do governo fosse uma maneira mais efetiva para “quebrar oteto de vidro”; ainda assim seria muito melhor para as mulheres se nós pudéssemos fazê-lo sem intervenção estatal e assegurar igualdade econômica para o bem.
P.S. Para aqueles que estão interessados no quebra-cabeça filosófico relacionado a esse dilema, Javier Hidalgo comentou que Chandran Kukathas descreveu um dilema similar para libertários quando discutiu acerca de se o libertarianismo deveria tolerar culturas intolerantes.
// Tradução de Valdenor Junior. Revisão de Matheus Pacini. | Artigo orignal