Ética love canal

Publicado em 18 de novembro de 2014 | por Stephen Hicks

O desastre ambiental de Love Canal – quatro décadas depois

(Nota do revisor: Canal do Amor em tradução livre.  Será utilizado o termo “Love Canal” no texto.)

Em primeiro lugar, algumas boas notícias sobre o desastre ambiental de Love Canal , ocorrido na década de 1970, em Nova York: o resultado de estudos de longa duração não mostrou aumento das taxas de câncer ou defeitos de nascença entre os residentes dos arredores. Essa é uma boa notícia, mesmo que produtos químicos tóxicos tenham sido lançados no meio ambiente, e moradores tenham sido aterrorizados, removidos e tenham sofrido grandes perdas de valor de suas propriedades.

Agora, as más notícias: o Love Canal é um exemplo clássico de mau jornalismo combinado à má filosofia que, quatro décadas depois, continua a contaminar o pensamento popular e as políticas públicas.

A história começa na década de 1940, quando a empresa Hooker ElectroChemical Corporation adquiriu um terreno próximo às Cataratas do Niágara, a qual desejava utilizar como depósito de resíduos de sua indústria química. Antes da década de 1940, o exército dos Estados Unidos e o governo municipal tinham usado o terreno como aterro. Hooker testou o local e o julgou seguro. Os inspetores dos governos estadual e local aprovaram o uso do terreno e emitiram as licenças correspondentes. Hooker usou o local até o início da década de 1950, quando a capacidade do aterro se esgotou. Nesse ponto, o aterro foi recoberto com uma camada impermeável de argila e abandonado.       

Avance duas décadas, os anos 70, quando ocorreu o desastre. Alguns moradores do Love Canal notaram infiltrações em suas casas e notificaram as autoridades, as quais a identificaram como produtos químicos tóxicos. Os residentes ficaram naturalmente assustados e ofendidos. A mídia se dirigiu ao local e a história tornou-se nacional e internacional. O presidente Jimmy Carter declarou o Love Canal como uma área de desastre e cerca de 900 famílias foram realocadas.

Agora, para a importância do jornalismo e da filosofia.

Na imprensa, a empresa Hooker foi amplamente condenada. Ralph Nader denunciou-a como uma “empresa insensível” que depositou resíduos químicos sem preocupação com a saúde pública. Um artigo publicado em 1979 no Atlantic Monthly questionava se poderíamos esperar que corporações privadas agissem de forma responsável, sugerindo que a busca pelo lucro as levava a se preocuparem mais com o dinheiro do que a saúde. A empresa Hooker logo foi processada em mais de US$ 2 bilhões. A Agência de Proteção Ambiental rapidamente estabeleceu diversas regras novas sobre como tratar resíduos industriais. Em 1980, o Congresso dos Estados Unidos aprovou o superfundo proposto pelo senador Al Gore – no valor de US$ 400 bilhões – dedicado à questão da destinação do lixo tóxico nacional.

E graças, em grande parte, ao Love Canal que uma filosofia ambiental se arraigou na consciência pública: corporações insensíveis, sedentas por lucros, estão poluindo nosso ambiente, causando defeitos de nascença e câncer, e somente o governo pode nos salvar.

Essa narrativa abstrata, todavia, no caso do Love Canal, é quase perfeitamente oposta à verdade. Daqui em diante, discutiremos sobre uma narrativa mais importante.

Também no início dos anos 50, o Conselho de Educação da cidade de Niagara Falls desejava algum terreno para a construção de uma nova escola. Para os membros deste conselho, a região do Love Canal era ideal e terminaram por fazer uma oferta à Hooker, pedindo para adquirir o terreno. Mas Hooker negou-se a vender. A corporação informou que o local continha resíduos químicos tóxicos e, portanto, era inapropriada para uma escola. Contudo, o Conselho de Educação, como uma agência governamental, tinha o poder político ao seu lado – nesse caso, o poder da desapropriação. Dessa forma, ignorou a recusa de Hooker, ameaçando utilizar o governo municipal para força-la a vender.

Então, a corporação Hooker vendeu a propriedade à cidade por 1 dólar. Mas no contrato de venda – e em vários veículos públicos de informação – Hooker deixou explícito o histórico da propriedade como um depósito de lixo químico, expressando sua forte oposição aos planos do governo municipal, e especificou que, sob nenhuma circunstância, a camada de argila deveria ser rompida.

Mesmo assim, o governo municipal prosseguiu com seus projetos: estabeleceu redes de esgoto, vendeu alguns terrenos a construtores que, por sua vez, construíram casas. E, como originalmente desejado, uma escola foi construída no local.

Então, quem são os verdadeiros vilões da história?

Todo o supracitado é questão de domínio público, alguns críticos argumentaram que a discussão sobre o desastre do Love Canal estava perdendo o rumo e que lições erradas estavam sendo retiradas do fato.

Não obstante, o poder da narrativa corporação má / governo bom é realmente forte. Mesmo hoje, quatro décadas depois, ela prevalece. Em 2013(!), um jornalista do USA Today resumiu a história dessa maneira: “a tragédia do Love Canal começou quando a empresa Hooker Chemical usou um canal abandonado, de 1942 a 1953, para despejar 21.800 toneladas de resíduos industriais perigosos. O canal foi posteriormente coberto, e casas e escolas foram ali construídas”. Nenhuma menção ao Conselho de Educação ou à habilidade governamental de forçar a venda.

Mas a tragédia do Love Canal não teria acontecido sem (1) o poder político da desapropriação, e (2) a confiança dos oficiais do governo de que não seriam responsáveis caso algo de errado acontecesse.

A questão é séria, pois vivemos em uma sociedade intensiva em ciência e engenharia. Existem muitas vantagens relacionadas à vida em uma sociedade high-tech – mas também existem muitos riscos, incluindo resíduos tóxicos. Como iremos cuidar dos produtos químicos perigosos dos quais depende nosso estilo de vida, mantendo nosso ambiente seguro e belo? Devemos aprender as lições corretas de grandes erros.

Deveríamos nos questionar, como resultado do Love Canal:

  • Esse caso reduziu a habilidade do governo de adquirir propriedades por meio da desapropriação?
  • Algum político ou oficial do governo foi:
  1. Condenado por negligência?
  2. Forçado a pagar indenizações?
  3. Preso?

As respostas são: não, não, não e não.

No caso do Love Canal, a empresa comportou-se de forma responsável – precisamente por causa da busca do lucro. Os diretores da empresa eram seres humanos normais que não queriam envenenar ninguém, mas a busca do lucro concedeu-lhes um incentivo adicional a agir de forma responsável: desejam uma reputação positiva para a empresa, evitando processos judiciais onerosos.

E no caso do Love Canal, o poder público comportou-se de forma irresponsável – precisamente porque os oficiais tinham pouco ou nenhuma responsabilidade monetária ou legal.

Nosso mau jornalismo e nossa má filosofia ambiental reforçaram a irresponsabilidade. A história subsequente do caso foi a punição da parte responsável. A Hooker e a Occidental Petroleum – empresa que adquiriu a Hooker em 1968 – foram forçadas a pagar centenas de milhões de dólares em indenizações e, além disso, criticadas e ridicularizadas na imprensa, sofrendo condenação pública.

E a história subsequente foi o perdão à parte irresponsável. Os membros do Conselho de Educação de Niagara Falls e seus apoiadores no governo municipal conseguiram, em grande parte, livrar-se tanto do escrutínio público por seu papel quanto dos custos financeiros relacionados às ações judiciais e à limpeza do local.

A questão aqui não é a dicotomia liberal de empresas privadas responsáveis versus governos irresponsáveis. A questão é que todos os poderes, privados ou públicos, deveriam assumir as responsabilidades por seus atos.

Em especial, o caso do Love Canal serve de exemplo de que o poder coercivo governamental da desapropriação deveria ser minuciosamente verificado. Dezenas de milhares de governos locais ao redor do mundo ainda possuem esse poder não escrutinizado da desapropriação; dezenas de milhares de políticos ainda desejam construir escolas e aumentar sua arrecadação de impostos.

// Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva.


Sobre o autor

Stephen Hicks

Stephen Hicks é professor de Filosofia na Rockford University em Illinois. Ele é o autor de "Explaining Postmodernism: Skepticism and Socialism from Rousseau to Foucault" (Scholargy Publishing, 2004). Ele pode ser contactado pelo seu website.



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