Obras públicas
- Escrito por Frederic Bastiat
- Acessos: 193
Nada mais natural que uma nação, depois de se ter assegurado que um grande projeto de obra vai ser útil à comunidade, o faça executar com o produto resultante da cotização de todos! Mas confesso que perco a paciência, quando ouço justificarem o apoio a uma tal decisão com o seguinte equívoco econômico: "É, aliás, o meio de criar oportunidades de trabalho para os operários".
O estado faz uma estrada, constrói um palácio, conserta uma rua, abre um canal e, com isso, dá trabalho a certos operários: é o que se vê.
Mas ele priva de trabalho certos outros operários: é o que não se vê.
Imaginemos a construção de uma estrada em plena execução. Mil operários chegam todas as manhãs, retiram-se todas as tardes, levam seu salário, isto é certo. Se não se tivesse decretado construir a estrada, se os recursos para isso não tivessem sido aprovados, essas bravas pessoas não teriam encontrado essa oportunidade de trabalho e nem esse salário, isto é certo também.
Mas será que isso é tudo? A operação, no seu conjunto, não envolve outra coisa? No momento em que o Senhor Dupin[1] pronuncia as palavras sagradas: "a Assembleia adotou", será que os milhões de francos descem miraculosamente em cima de um raio de lua para os cofres do Senhor Fould e do Senhor Bineau[2]? Para que esse processo, como se costuma dizer, seja completo, não terá o estado que planejar sua receita do mesmo modo que sua despesa, e pôr seus cobradores de impostos em ação e seus contribuintes contribuindo?
Estudem, portanto, a questão sob este duplo enfoque: sempre constatando o destino que o estado dá aos recursos aprovados pela Assembleia, e não esquecendo do destino que os contribuintes dariam a esses recursos — e com os quais nada mais podem fazer. Então vocês compreenderão que uma obra pública é uma medalha de duas faces. De um lado, está um operário com a seguinte divisa: O que se vê. Do outro, um operário desempregado, com a seguinte divisa: O que não se vê.
O sofisma que combato aqui é ainda mais perigoso quando aplicado às obras públicas, porque serve para justificar os projetos e as prodigalidades mais estapafúrdios. Quando uma estrada de ferro ou uma ponte têm uma utilidade real, basta invocar essa utilidade. Mas se tal não é possível, o que fazer? Recorre-se a esta mistificação: "É preciso arranjar trabalho para os operários".
Com base nisso é que se ordena fazer e refazer os canteiros do Champ-de-Mars[3], em Paris. E o grande Napoleão julgava estar fazendo obra filantrópica ao mandar cavar e cobrir de terra as valas. Ele dizia também: "O que importa o resultado? O objetivo que se deve buscar é ver a riqueza distribuída pelas classes trabalhadoras".
Vamos ao fundo da questão. O dinheiro nos ilude. Pedir colaboração, sob a forma de dinheiro, a todos os cidadãos para uma obra comum é, na realidade, pedir-lhes uma cooperação física real, pois cada um deles obtém, pelo trabalho, a soma de dinheiro na qual está sendo taxado. Ora, é compreensível que se reúnam todos os cidadãos para mandá-los fazer, através do dinheiro que emprestarem, uma obra útil para todos: a recompensa estaria nos resultados apresentados pela própria obra. Mas, se depois de havê-los convocado, pede-se que construam estradas nas quais ninguém passará, palácios onde ninguém viverá — e isso só a pretexto de arranjar-lhes trabalho —, seria absurdo e eles teriam todo o direito de objetar, dizendo que, com esse trabalho, nada teriam que fazer e que prefeririam trabalhar por conta própria.
O procedimento que busca o concurso dos cidadãos através do dinheiro e não do trabalho não muda nada nos resultados finais. Apenas, se a contribuição fosse pelo trabalho, a perda se repartiria com todo mundo; quando ela se dá pelo dinheiro, aqueles que o estado ocupa escapam à sua parte de perda, acrescentando-a à que seus compatriotas já têm que sofrer.
Há um artigo da Constituição que diz:
"A sociedade favorece e encoraja o desenvolvimento do trabalho... pela instituição, através do estado, dos departamentos e das municipalidades, de trabalhos públicos próprios para empregar os braços desocupados".
Como medida temporária, num tempo de crise, durante um inverno rigoroso, esta intervenção do contribuinte pode surtir bons efeitos. Ela age no mesmo sentido que os seguros. Não acrescenta nada ao trabalho e aos salários, mas retira do trabalho e dos salários, em tempos comuns, para reparti-los, com perda, é verdade, nas épocas difíceis.
Como medida permanente, geral, sistemática, não é outra coisa senão um logro danoso, uma impossibilidade, uma contradição que mostra um pouco de trabalho estimulado, que se vê, e esconde muito trabalho impedido, que não se vê.
Notas
[1] N. do T.- Charles Dupin (1784-1873), engenheiro e economista francês de renome, professor, deputado e senador, com contribuição para a política econômica no campo da estatística econômica.
[2] N. do T.- Achille Fould (1800-1867), político e financista Jean Martial Bineau (1805-1855), engenheiro e político, ministro das Finanças em 1852.
[3] N. do T.- Originalmente um local, em Paris, destinado a desfiles militares, é, hoje, um parque situado entre a Torre Eiffel e a Academia Militar.