O capital e sua função
- Escrito por André Bueno Rezende de Castro
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Por André Bueno Rezende de Castro
Para se estudar a estrutura do capital é preciso, em primeiro lugar, ter a noção de que os processos produtivos são essencialmente intertemporais, ou seja, deve-se sacrificar algum recurso hoje para que se tenham mais recursos amanhã. Quanto às definições, os austríacos concebem o capital[1] como os fatores de produção fabricados e definem bem de capital de uma maneira não usual: é uma das etapas intermediárias que forma o processo produtivo levado a cabo pelos agentes. Deriva disso o conceito de bem intermediário, que vem a ser um bem que já possui valor adicionado, mas ainda não está pronto para o consumo final, sendo utilizado na produção como insumo. O que é importante destacar é que o capital não é concebido materialmente, como um volume de maquinarias e equipamentos passíveis de agregação, nem como um fundo cujo valor é o valor presente do fluxo de rendimentos que o volume de capital pode gerar. Como os planos individuais não são perfeitamente coordenados, não seria possível medir corretamente o volume e o valor do estoque de capital. O capital é uma estrutura interligada formada por diversos bens de capital[2].
A teoria do capital desenvolvida por Böhm-Bawerk começa contemplando uma “mosca de alvo” (vários círculos concêntricos) que ilustra a estrutura temporal de produção: ela começa do anel central com matérias-primas e trabalhos e termina no anel exterior com o produto final. Intuitivamente, tem-se que quantos mais anéis um processo produtivo possuir, mais desenvolvido ele será. A concepção aqui defendida é que toda produção precisa ter um lastro real, que viria a ser a poupança. Já o triângulo hayekiano ilustra o tempo que decorre entre as escalas produtivas para o bem final ficar pronto[3], sendo que o valor é contabilizado na vertical e o tempo na horizontal, sendo a inclinação do triângulo a taxa de juros (o valor do produto em relação ao tempo). Este modelo considera o processo de produção como linear, o que ignora funções de produção que não sejam as homogêneas de grau 1, ou seja, não abre espaço para retornos crescentes ou decrescentes de escala.
Para associar mudanças na estrutura do capital a variações nos ciclos econômicos é necessário analisar as alterações nas configurações dos anéis da mosca de alvo, detectando se elas se devem a preferências intertemporais distintas (maior poupança[4]leva a acúmulo de capital maior e, portanto, a crescimento mais acelerado e sustentável, por exemplo) ou a políticas discricionárias do governo (aumento na oferta monetária e consequente queda na taxa de juros levam a más alocações do capital entre os anéis, por exemplo). Este tipo de política econômica é o principal meio de impulso dos ciclos econômicos, tendo seus efeitos propagados pelas alterações nos preços relativos da economia.
A teoria de juros de Böhm-Bawerk, essencial para a compreensão da teoria do capital, ancora-se em um pressuposto frágil: sua lei da preferência intertemporal postula que os indivíduos desejam alcançar seus fins o mais rápido possível e da maneira menos incerta. Como corolário disso, temos que os indivíduos são impacientes, preferindo o consumo hoje ao consumo no futuro, o que não necessariamente é corroborado pela evidência empírica (basta verificar a taxa de poupança de várias nações asiáticas, por exemplo). Isso fragiliza também a idéia de que a diferença entre os preços de venda e os custos adviria deste fato sendo que este valor seria apropriado pelos empresários. Aliás, esta diferença seria a remuneração pelo tempo que o capitalista dispende no processo produtivo (a taxa de juros da produção), o que também não faz sentido, uma vez que juros é a remuneração por recursos adiantados, por consumo futuro trazido para o presente, definição dada posteriormente pelos próprios austríacos.
A teoria austríaca discorda que aumentos na taxa de juros alteram a relação capital/trabalho, uma vez que os juros na verdade afetam as unidades de trabalho alocadas para a produção, via redução salarial. No entanto, isso não é explicado de forma alguma. Ademais, os austríacos consideram a moeda como não neutra, sendo que variações no estoque monetário provocam realocações na estrutura do capital ao longo da estrutura de produção, provocando distorções nos investimentos considerados produtivos.
Uma conclusão deste processo é que o capital é derivado da poupança, via investimentos, elevando o bem-estar da economia. Em termos mais diretos, o capital é definido como o preço de mercado dos bens de capital, tendo a taxa de juros como fator de desconto. Curiosamente, apesar de ser um preço objetivamente calculável, o capital é tido como abstrato, uma estimativa subjetiva sobre os valores esperados dos bens de capital.
Notas
[1] Em termos mais diretos, capital é o preço de mercado dos bens de capital tendo a taxa de juros como fator de desconto.
[2] O capital, sendo heterogêneo e específico para determinados estágios da produção, não pode ser deslocado de uma finalidade produtiva para outra sem custos.
[3] O aspecto temporal do processo produtivo é ignorado nos modelos neoclássicos mais elementares.
[4] Definição de poupança: consumo futuro, isto é, a abstenção de consumo hoje leva logicamente a um maior consumo amanhã.